segunda-feira, junho 28, 2010

A Maldição do Titã

OK, OK, pode parecer meio suspeito que uma série para adolescentes ocupe tanto espaço num blog cujo autor já vai adiantado na casa dos 30 e, para completar, é formado em Letras e um leitor com muitas "horas de voo" e um conhecimento não desprezível dos clássicos da literatura universal, mas não dá para resistir à empolgação de ver que, contra todas as expectativas, surgiu um autor capaz de dar à mitologia grega clássica uma roupagem que a torna assimilável pela garotada de hoje, sem desvirtuá-la! Não é difícil imaginar um dos jovens leitores de Rick Riordan, após terminar este livro, indo para a internet procurar mais informações sobre mitologia ou, ainda melhor, abrindo um daqueles velhos volumes encadernados que juntam poeira na sala de visitas da casa dos avós para saber em mais detalhes quem eram os Titãs, Héracles, Ártemis, Apolo... O que, como já disse e repito, é um dos maiores serviços que um escritor pode prestar à humanidade nos dias de hoje.

A Maldição do Titã é o terceiro volume da série Percy Jackson e os Olimpianos, e, se eu fosse pôr os títulos na ordem em que mais me agradaram, colocaria este em segundo lugar, por não ser tão bom quanto O Ladrão de Raios, mas melhor que O Mar de Monstros. Percy está agora com 14 anos e recebe a missão de ir, com as também meios-sangues Annabeth e Thalia, atender a um chamado de seu velho amigo Grover, o sátiro, que, como já tantas vezes antes, está infiltrado numa escola, como olheiro, para investigar a possível presença de outros filhos de deuses. E ele localizou dois, cuja filiação divina ainda é desconhecida, mas que são obviamente poderosos: Bianca di Angelo, de 12 anos, e seu irmão Nico, de dez. Como não é difícil prever, Percy e seus amigos logo se veem envolvidos numa luta com monstros a fim de tirar os irmãos Di Angelo da escola e levá-los em segurança até o Acampamento Meio-Sangue - mas surgem dois fatos não tão previsíveis: o primeiro é que, prestes a ser derrotado, o quarteto é salvo pela deusa Ártemis e suas Caçadoras virgens, que parecem surgir do nada justamente no momento certo; o segundo é que um monstro, em sua fuga, acaba levando Annabeth consigo.

Essa, aliás, é uma das grandes sacadas do livro: Annabeth não aparece durante a maior parte da história, mas, de certa forma, está presente o tempo todo, já que o fato de saber que ela está em algum lugar, sendo mantida prisioneira pelo inimigo, leva Percy a, pela primeira vez, refletir de verdade sobre a natureza de seus sentimentos por ela. E ele não se sente melhor ao descobrir que Annabeth pensava em juntar-se às Caçadoras de Ártemis - donzelas adolescentes que acompanham a deusa em suas aventuras, ganhando a imortalidade em troca do juramento de renunciarem para sempre ao amor. Esse pensamento nunca é formulado de forma explícita, já que Percy é o narrador da história e Riordan, habilmente, faz com que haja coisas que o jovem herói não admitiria nem perante si próprio, mas é fácil compreender que a questão que mais o tortura é: "Ela faria mesmo isso? Mas... e eu?" Não há como não se solidarizar com sua angústia.

Porém, o sofrimento de Percy parece insignificante diante dos acontecimentos que se desenrolam: fica-se sabendo que o exército de Cronos - o Senhor dos Titãs, que tem a ambição de retomar o poder que os Olimpianos lhe tiraram há milhares de anos - tem um novo comandante, um misterioso "General", sob cujas ordens estão agindo Luke, o filho rebelde de Hermes, um ex-campista do Acampamento Meio-Sangue, e seu bando de monstros e semideuses renegados. Toda essa buona gente está atrás de um monstro em especial, um tão terrível que, dizem as profecias, seria capaz de destruir o Olimpo. Ártemis decide partir sozinha para tentar localizar e liquidar esse monstro antes que os lacaios de Cronos o encontrem - e, como Annabeth, cai nas garras do inimigo. Organiza-se então um grupo de busca misto, formado por campistas e Caçadoras, para partir numa missão de triplo objetivo: resgatar Ártemis, descobrir o monstro da profecia e, se possível, tentar libertar Annabeth.

A presença de Thalia contribui para tornar o convívio do grupo de aventureiros mais complicado, já que, como filha de Zeus, ela tem um gênio um tanto tempestuoso, mas isso é apenas a ponta de um iceberg: em O Mar de Monstros Percy tomou conhecimento de uma profecia que dizia que, quando um meio-sangue, filho de um dos Três Grandes (Zeus, Poseidon ou Hades) completasse 16 anos, ele ou ela teria de tomar uma decisão que poderia salvar o Olimpo ou destruí-lo - e, se o Olimpo for destruído, toda a civilização ocidental vai para o beleléu. O detalhe interessante é que Thalia estava morta na ocasião, de modo que Percy, como o único filho vivo conhecido de um dos Três Grandes, parecia, sem sombra de dúvida, ser a pessoa da profecia. Porém, a partir do momento em que Thalia foi trazida de volta à vida pela magia do Velocino de Ouro, já não há certeza: pode ser ela ou Percy.

A aventura segue a receita já conhecida dos fãs de Rick Riordan: doses de tensão, ação e humor alternadas de forma habilidosa, personagens cativantes, um uso inteligente do potencial infinito de gerar coisas "pitorescas" que existe em misturar a mitologia com o mundo moderno (o deus Apolo retratado como um playboy que guia um Maseratti em vez da tradicional carruagem do Sol é simplesmente impagável!), muitos mistérios a desvendar, e um final surpreendente. O único defeito da saga de Percy Jackson e os Olimpianos é que, mais cedo ou mais tarde, ela terá que acabar...