domingo, novembro 14, 2010

O Imperador - Os Portões de Roma

"- Os vitoriosos sempre serão odiados. É o preço que pagamos. Se eles o amarem, vão fazer o que você quer, mas quando quiserem. Se o temerem, farão sua vontade quando você quiser. Então, é melhor ser amado ou temido?
- Os dois - disse Caio, sério."

* * *

Existem figuras históricas para todos os gostos, e qualquer uma que tenha sido efetivamente importante é sempre alvo de polêmica. O mesmo homem pode ser considerado por alguns como um estadista brilhante e patriótico, e por outros um tirano desprezível; uns podem vê-lo como um herói destemido, outros como um carniceiro vulgar. Isso é particularmente verdadeiro quando se trata de alguém que já em vida era amado e odiado com intensidades quase iguais, e ainda mais quando, amando-o ou odiando-o, é impossível negar sua importância. Concluo que, resumindo tudo o que disse até aqui, talvez a nenhum outro personagem histórico esses fatos se apliquem tão bem quanto a Caio Júlio César.

Nascido por volta de 100 a.C., numa família da pequena nobreza romana, não havia diferença entre ele e centenas de jovens oriundos de outras famílias com a mesma projeção. Alguns de seus biógrafos registram que não teve irmãos, apenas irmãs muito mais velhas - o que, por significar que deve ter sido o último filho de seus pais, e o único do sexo masculino, pode, em parte, explicar a obsessão por grandes feitos que o acompanharia por toda a vida: é provável que se sentisse responsável por glorificar o nome da família. Isso, pelo menos, pode ter sido o impulso inicial, que o levou a enamorar-se da fama e do poder em si mesmos - e de fato, Júlio César, o jovem de origem modesta, viria a alcançar um poder que nenhum romano antes dele tivera, e que bem poucos depois teriam.

Por ser uma figura tão ímpar, César não é fácil de biografar. Muitas tentativas já foram feitas, sendo que aquela que continua a ser a mais célebre foi ainda na Antiguidade - trata-se de Alexandre e César, do grego Plutarco (século II d.C.), que, como o título já deixa óbvio, compara as vidas dos dois maiores generais surgidos até então. Ressalve-se que César era um admirador devotado de Alexandre, que o precedeu em dois séculos e meio, e não se considerava tão genial quanto ele em matéria militar, embora se achasse (e, sem dúvida, fosse) mais habilidoso quando o assunto era a política. O que direi agora é basicamente uma impressão pessoal de alguém que desde a infância leu compulsivamente sobre ambos os personagens e sonhou com suas glórias, mas parece-me que, enquanto Alexandre era um idealista, César era predominantemente um homem prático - o que não significa que não tivesse seu lado sonhador, sem o qual ninguém jamais consegue realizar grandes coisas. De qualquer forma, a idade de cada um deve ter tido seu peso nesse ponto: Alexandre realizou seus maiores feitos com vinte e poucos anos e morreu antes de completar 33; César, por sua vez, não foi nenhum menino-prodígio: só começou a se notabilizar quando já tinha 37, 38 anos, e viveu até seus maduros 56.

Ufa... Depois dessa longa introdução (não tenho culpa se o assunto me empolga...), acho que já é tempo de começar a falar do livro - na verdade, livros - em si. A série O Imperador, escrita pelo inglês Conn Iggulden, é uma leitura absolutamente deliciosa. Para quem possui um conhecimento ao menos básico da história e cultura romanas, ela flui com facilidade e se torna rapidamente um ato febril. Iggulden soube modelar seu herói incluindo todos os traços de personalidade que o homem de carne e osso indubitavelmente teve, e mais alguns que é bem possível que tenha tido, o que resulta num personagem literário (frise-se a distinção entre isso e o personagem histórico) fascinante. É preciso ter em mente que trata-se de uma obra de ficção, para a qual a História serviu apenas de inspiração: ao final de cada volume, o autor incluiu uma nota onde detalha quais foram as liberdades que tomou em prol de seu objetivo de entretenimento. A principal dessas liberdades - e que resulta num dos aspectos mais cativantes da história (sem H maiúsculo) - refere-se à relação entre César e Brutus. Acho que convém dedicar um parágrafo a isso, pegando o assunto pelo início.

Todo mundo sabe que Brutus foi um dos assassinos de César - o problema é que isso é a única coisa que a maioria das pessoas sabe sobre ele. Algumas fontes dão, erroneamente, que ele era filho adotivo do ditador; oficialmente, os dois não tinham qualquer parentesco, fosse sanguíneo ou legal. Oficialmente, eu disse. O que havia era que César manteve um caso de muitos anos com Servília, que vinha a ser a mãe de Brutus, de modo que algumas pessoas acreditavam que este último, embora assumido como filho pelo marido de Servília, tivesse, na verdade, César como pai natural. E, como naquele tempo não havia teste de DNA, a dúvida nunca pôde ser tirada a limpo... De todo modo, César teve algumas atitudes paternais para com Brutus, interessando-se por sua educação e depois pelo encaminhamento de sua carreira. Brutus serviu no exército sob as ordens de César, e, mais tarde, iniciou-se na política sob os seus auspícios. César, portanto, o considerava seu amigo e aliado, o que justifica a surpresa desiludida com que o reconheceu entre seus assassinos, soltando então a frase célebre: "Et tu, Brute?" ('Até tu, Brutus?') O caráter de Brutus é assunto polêmico: os amigos de César, sedentos por vingança, o rotularam como um traidor desprezível e ingrato, movido pela ambição; outros o viam como um patriota corajoso, defensor irredutível da República, que, embora com dor no coração, teria concluído que César precisava morrer justamente porque havia se tornado um ditador, uma ameaça aos ideais republicanos. Esse último ponto de vista é adotado por Shakespeare em sua peça Júlio César, onde, depois de consumado o crime, Brutus declara: "Não é que eu não amasse César, mas meu amor por Roma é bem maior".

Como se vê, portanto, Brutus era muito mais jovem que César, já que podia mesmo ser seu filho. Essa é a primeira e maior liberdade tomada por Iggulden na série de que estamos falando: seus César e Brutus (aliás, Caio e Marco, como chamam informalmente um ao outro quando garotos) têm a mesma idade e são criados juntos na pequena fazenda do pai de Caio, nos arredores de Roma, desenvolvendo entre si uma amizade sólida e fraterna. Não fica claro como foi que Marco veio a ficar sob a tutela do pai de Caio - este apenas diz, vagamente, que prometeu ao pai do menino, quando este estava morrendo, tomar conta dele. Durante poucos anos inocentes, nos intervalos entre uma e outra aula com seus tutores, Marco e Caio fazem todas as travessuras a que têm direito - mas, a partir dos dez anos, começam a ser treinados pelo implacável Rênio, por sinal outra figura fascinante, um velho legionário reformado e ex-gladiador, considerado um dos maiores lutadores de Roma, que faz muito mais do que ensiná-los a manejar o gládio - a mortífera espada curta com a qual as legiões romanas puseram de joelhos inúmeros exércitos bárbaros que empunhavam armas bem mais impressionantes: endurece-os por meio de um treinamento ainda mais rígido que o imposto aos legionários, além de calculadamente fazer com que o odeiem, o que quase termina em desastre numa das passagens mais dramáticas do primeiro volume, Os Portões de Roma. Como resultado, Caio e Marco convertem-se em dois jovens rijos, espertos e perigosos, capazes de enfrentar o destino grandioso e cheio de riscos que os espera.

Os dois amigos se veem subitamente jogados no mundo adulto quando estão com 14 para 15 anos: uma grande rebelião de escravos estoura em Roma, e não poupa as propriedades rurais das redondezas. A fazenda é atacada por uma multidão de escravos em fúria e, na mesma noite em que os dois jovens têm seu batismo de sangue, sua primeira batalha, o pai de Caio tomba lutando. O jovem César é obrigado a tomar a frente dos negócios da família e assumir a responsabilidade por sua mãe, que, se já era desequilibrada, enlouquece de uma vez após perder o marido. Caio vai então a Roma procurar por seu tio Mário - general e cônsul, personagem histórico real e extremamente importante: entre outras coisas, Mário reformulou a organização interna das legiões e aboliu a exigência que existia até então, de se possuir terras para se alistar nelas. Com isso, cada legionário passou a poder viver de seu soldo, o que, na prática, fez da carreira militar uma profissão propriamente dita. Isso viria a fazer uma diferença enorme na história futura de Roma, não só no aspecto militar, mas também no social.

Com Mário, Caio começa a aprender sobre a intrincada e por vezes traiçoeira estrutura política da capital, conhecimento que lhe será essencial para que possa ocupar o lugar do pai no Senado e honrar a tradição da família. Porém, ele chega num momento crítico, exatamente quando seu poderoso tio e o rival deste, o outro cônsul, Cornélio Sila, estão no meio de uma dificílima queda-de-braço pelo poder supremo em Roma. Enquanto Marco, que, embora sem berço, impressionou Mário por sua coragem e capacidade, recebe deste uma carta de recomendação e parte para começar sua carreira militar na Macedônia, Caio permanece junto do tio, aprendendo a ser um membro da nobilitas, conhecendo as forças e as fraquezas de Roma e dos romanos, a lei e os costumes, as artes da guerra e da política, e, principalmente, aprendendo sobre a natureza humana - tudo o que mais tarde faria dele um dos homens mais famosos e admirados que já viveram.

Costumo dizer que o problema em ler séries de livros é que, se você tenta ler todos de uma enfiada só, acaba cansando, e, por outro lado, se lê um, deixa passar algum tempo, lê outras coisas, para só então pegar o próximo volume, acaba esquecendo detalhes importantes e fica meio perdido. Desta vez vou correr o risco e experimentar ler a coisa toda de uma vez - e, pela primeira vez, tentarei comentar todos os volumes de uma série, pois acho que esta merece o esforço - e a diversão. Espero que as resenhas fiquem à altura dos livros em si! Desejem-me sorte.