quarta-feira, setembro 28, 2011

Conan, o Bárbaro

E eis que a aventura A Hora do Dragão, único romance escrito por Robert E. Howard sobre seu mais famoso personagem, o bárbaro Conan, chega finalmente ao Brasil numa edição caprichada, embora intitulada simplesmente Conan, o Bárbaro e com a imagem do cartaz do filme servindo de capa... É incômodo dependermos das marés da indústria do cinema para ter acesso a obras que deveriam estar sempre em catálogo, mas vá lá: pior seria não termos acesso a essas obras de maneira nenhuma, como aconteceu durante muito tempo.

Howard (1906-1936) foi um jovem gênio de destino trágico. Filho de um médico da pequena cidade texana de Cross Plains, cresceu num "mundo real" bastante limitado, típico de cidades interioranas em quase qualquer lugar, mas compensou esses limites com uma poderosa imaginação, exercitada desde a primeira infância, e com uma insaciável curiosidade sobre o mundo. O Dr. Isaac Howard depressa perdeu as esperanças de que seu único filho seguisse seus passos na medicina, mas também via com grande desconfiança as ambições do rapaz de ser escritor – o que era naquela época, como ainda hoje, um ganha-pão muito incerto, mesmo para os dotados de talento. O jovem Bob passou por diversos empregos, desde balconista até carteiro, mas não criou raízes em nenhum. Seu primeiro passo para a profissionalização como escritor aconteceu quando sua história Spear and Fang ('Lança e Presa', um conto de homens das cavernas, escrito quando ele tinha 15 anos) foi publicada, na edição de julho de 1925 da revista Weird Tales. Durante os anos seguintes, Howard escreveu e vendeu literalmente dezenas de histórias, em vários gêneros: esporte, faroeste, ficção histórica, terror e fantasia. Dentro desta última, foi notável sua contribuição para o subgênero hoje conhecido como sword and sorcery ('espada e feitiçaria'), ao ponto de muitas pessoas acreditarem, equivocadamente, que tenha sido o seu criador – na realidade, o britânico Lord Dunsany publicou histórias nesse estilo ainda durante a primeira década do século XX. O primeiro expoente howardiano de sword and sorcery foi uma história escrita em 1929 e ambientada numa era perdida da pré-história da Terra, cerca de 20 mil anos atrás, um mundo dominado por impérios poderosos e onde a magia era comum. Para compor a geografia e as características humanas dessa era fictícia, o escritor costurou uma verdadeira colcha de retalhos, usando referências históricas e míticas oriundas das fontes mais diversas – e sem fazer a menor cerimônia para misturar elementos que, na origem, não tinham qualquer ligação de contemporaneidade entre si. Nesse mundo próprio repleto de esplendores e perigos desenrolou-se a saga de um personagem que, embora subestimado até mesmo por muitos fãs de Howard, em minha opinião possui potencial heroico próximo ao de Conan, e um potencial dramático bem superior: Kull da Atlântida, que vai me render outro post.

Por ora, digamos apenas que a primeira aventura de Kull foi rejeitada pela Weird Tales e ficou na gaveta da escrivaninha de Howard durante os três anos seguintes, enquanto o autor dedicava-se a outros projetos. Em 1932, ele a retomou e reescreveu, mantendo a linha geral do roteiro, mas mudando o nome e algumas características do herói e ambientando-a numa outra era fantástica, que teria existido oito mil anos depois dos tempos de Kull e 12 mil anos antes dos dias atuais. Desta vez aceito pela WT e publicado na edição de dezembro daquele ano, esse conto, The Phoenix on the Sword ('A Fênix Sobre a Espada'), marcou a primeira aparição de Conan, já como rei da Aquilônia – o reino mais poderoso da época –, enfrentando uma conspiração para destroná-lo e matá-lo, envolvendo inimigos tanto naturais quanto sobrenaturais.

Se a Era Pré-cataclísmica de Kull era uma fabulosa miscelânea de elementos tirados de todos os lugares possíveis e imagináveis, a Era Hiboriana de Conan é tudo isso elevado ao quadrado. "Hiborianos", por falar nisso, é uma designação genérica usada para se referir aos reinos correspondentes à atual Europa, que teriam sido os mais influentes e poderosos de tal época. Examinando o mapa do mundo onde viveu Conan, a impressão que se tem é a de que Howard quis certificar-se de que nele estivessem presentes os ambientes e ingredientes necessários para praticamente qualquer tipo de aventura que se pudesse imaginar: existem bárbaros orgulhosos e violentos em reinos gelados no norte, existem mares infestados de piratas, existem desertos povoados de belicosos beduínos e de mistérios ao estilo de As 1001 Noites, existem savanas e selvas tropicais com suas tribos selvagens e feras exóticas (os reinos negros ao sul da Stygia), existem reinos regidos por estruturas feudais de poder, como a própria Aquilônia, nitidamente inspirada na França medieval, existem países orientais esplendorosos e quase desconhecidos pelos hiborianos – e, claro, há vastas extensões ainda inexploradas, onde aventureiros audazes podem encontrar todo tipo de maravilhas e horrores.

O próprio Howard apenas começou a narrar as aventuras de seu herói nesse mundo extraordinário: não viveu o suficiente para levar as histórias muito adiante. Nele conviviam uma imensa criatividade e uma carga nada desprezível de conhecimentos gerais, particularmente sobre História (conhecimentos esses adquiridos de maneira autodidata, pois ele nunca concluiu uma faculdade), mas também uma personalidade atormentada e emocionalmente imatura. Quando ficou sabendo que sua mãe estava em coma e sem chance de se recuperar, ele tirou a própria vida: não era capaz de se imaginar vivendo sem ela. Tinha pouco mais de 30 anos. A Sra. Howard faleceu horas depois do suicídio do filho, e os dois foram enterrados juntos. Imaginem o que foi isso para o pobre Dr. Howard: perder esposa e filho de uma vez só...


Como uma última informação importante sobre o autor, deve-se lembrar que Robert E. Howard manteve durante anos uma extensa correspondência com vários outros escritores notáveis do gênero de fantasia, como H. P. Lovecraft, Clark Ashton Smith, August Derleth e outros, e que a leitura atenta das obras de todos esses autores mostrará a influência exercida reciprocamente entre eles.

A obra de Howard sofreu um período de ostracismo após a morte do autor. Nos anos 50 apareceu nos Estados Unidos um livro reunindo alguns contos sobre Conan; na década seguinte, os escritores L. Sprague de Camp e Lin Carter conseguiram ter acesso aos papéis pessoais deixados por Howard, entre os quais encontraram desde esboços rudimentares de enredo para contos que não chegaram a ser escritos até histórias inacabadas em variados estágios de progresso. Assumindo o encargo de novos cronistas da Era Hiboriana, De Camp e Carter completaram muitas dessas histórias, que vieram a ser publicadas. Também criaram histórias novas baseadas em simples anotações feitas por Howard, como a saga Conan, o Libertador, que contava sobre a revolução que o cimério teria liderado para derrubar o tirânico rei Numedides, vindo então a ocupar o trono da Aquilônia.

Em 1970, a Marvel adquiriu os direitos de adaptação para os quadrinhos de Conan e outros personagens de Howard, dando início àquela que seria a fase mais produtiva (em número de publicações) do bárbaro. Roy Thomas, já então um renomado argumentista de quadrinhos do selo, tornar-se-ia célebre pelo trabalho realizado com Conan. Não tenho certeza se as primeiras histórias em quadrinhos do herói a aparecerem no Brasil chegaram antes ou depois da estréia do primeiro filme sobre ele, mas a editora Bloch lançou algumas publicações antes de a Abril, então parceira da Marvel no país, começar a publicar A Espada Selvagem de Conan, versão nacional de The Savage Sword of Conan, revista em formato grande, preto e branco, que, no Brasil, durou de 1984 a 2001. Também saíram algumas aventuras de Conan nas revistas Heróis da TV e Superaventuras Marvel, que eram coloridas e em formato pequeno. Mais recentemente, a Dark Horse Comics publicou uma revista intitulada simplesmente Conan, também em quadrinhos. No tocante à publicação de contos em sua forma original, um único conto de Conan aparece no livro Magos, segundo volume da série de coletâneas Os Mundos Mágicos da Fantasia, coordenada por Isaac Asimov, Martin H. Greenberg e Charles G. Waugh e publicada no Brasil pela Melhoramentos no início da década de 90. Em 1995, a editora Unicórnio Azul lançou cinco edições de Conan – Espada & Magia, contendo contos originais de Howard e também trabalhos de De Camp & Carter. A editora Conrad publicou dois volumes, atualmente fora de catálogo, com contos do bárbaro. Por fim, agora, aproveitando o embalo do novo filme, a Generale nos traz esta edição, que inclui o romance A Hora do Dragão e mais três contos. Edição essa da qual vejo que terei que falar em outra oportunidade, pois já escrevi muito e não posso concluir sem dizer uma palavra sobre os filmes. Vamos a isso...

Conan nas telas – then & now...

Os fãs de Robert E. Howard e de filmes de aventuras em geral sempre se perguntaram o porquê de Conan e seu universo terem sido tão pouco explorados pelo cinema, fato esse que se torna ainda mais inexplicável se pensarmos no Tarzan de Edgar Rice Burroughs e nas dezenas de filmes já rodados sobre ele, com vários atores diferentes. Ora, o bárbaro de Howard teve a mesma origem do homem-macaco de Burroughs – as pulp magazines das décadas de 20 e 30 –, é um herói de nível, no mínimo, comparável, e com possibilidades infinitamente maiores, considerando o mundo onde viveu e a longa e variada carreira que teve. Apesar disso, e por alguma razão, até este ano só existiam dois filmes sobre as aventuras do cimério: Conan, o Bárbaro (1982) e Conan, o Destruidor (1984), ambos estrelados por Sua Excelência (respeito, afinal o homem já foi governador), o austríaco naturalizado ianque Arnold Schwarzenegger. E, verdade seja dita, se Schwarzenegger jamais chegou a ser um ator digno desse nome, nesses filmes, ainda em início de carreira, ele praticamente deu um novo sentido à palavra "canastrão". O máximo que se pode dizer a seu favor é que sempre esteve perfeitamente consciente de suas limitações e nunca tentou posar de prodígio dramático: alguns anos depois, comentou, bem-humorado, que até o cavalo que montara em Conan, o Bárbaro era mais expressivo que ele. Apesar disso, esse filme, dirigido por John Milius, marcou época, e há excelentes razões para que seja visto... Só que, por ser uma adaptação extremamente livre, não é aconselhável como primeiro contato com o personagem, embora um enorme número de pessoas (incluo-me) tenha conhecido Conan justamente por meio dele.

O roteiro foi criado de forma livre por John Milius e Oliver Stone, tendo os escritos de Howard apenas como fonte de inspiração. Por exemplo, a infância e adolescência atribuídas a Conan no filme não têm qualquer compromisso com a (incompleta e fragmentada) biografia do personagem deixada por Howard: embora o escritor tenha registrado, em cartas e anotações, que a tribo de Conan vivia perpetuamente envolvida em conflitos – fosse com aesires, vanires, hiperbóreos, ou com outros clãs cimérios –, não escreveu em parte alguma que ela teria sido massacrada, ou que o próprio Conan tivesse crescido como escravo. Na verdade, Howard chegou a mencionar que a primeira batalha de que Conan participou foi numa ocasião em que vários clãs da Ciméria uniram forças, pondo temporariamente de lado suas rixas, para atacar e arrasar a fortaleza de Venarium, construída pelos aquilonianos em solo cimério como primeiro passo de uma tentativa de conquista – e o escritor diz explicitamente que Conan teria então uns 15 anos, idade na qual, a dar-se crédito ao filme, ainda deveria estar movimentando uma pedra de moinho. Portanto, vejam o filme, mas não acreditem cegamente nele.

O vilão principal, o feiticeiro Thulsa Doom (interpretado por James Earl Jones, de longe a melhor atuação do filme), nunca enfrentou Conan nos livros ou nos quadrinhos: em vez disso, era o arquiinimigo do rei Kull, que teria vivido oito mil anos antes. O arqueiro e ladrão Subotai (Gerry Lopez), até onde sei, foi criado para o filme, enquanto Valéria (Sandahl Bergman), mostrada como sendo uma ladra e o amor da vida de Conan, na verdade era uma pirata, e apenas uma entre as muitas mulheres de sua carreira. É verdade que há citações a várias histórias de Howard: a sequência em que Conan encontra uma espada num velho túmulo foi tirada do conto A Coisa na Cripta, enquanto a invasão da fortaleza de Thulsa Doom tem vários detalhes que lembram A Torre do Elefante, sem mencionar que a promessa de Valéria a Conan ("Se eu estivesse morta e você lutasse por sua vida, eu voltaria do inferno para ajudá-lo!") é feita, na verdade, pela rainha pirata Bêlit – ela, sim, o grande amor do cimério, ou ao menos de sua juventude –, no conto A Rainha da Costa Negra (1934). E há mais detalhes assim. Ao mesmo tempo, o filme tenta ter o seu quantum satis de atualidade ao mexer com o tema da sedução de jovens por seitas estranhas, problema que havia alcançado dimensões preocupantes em diversos países na época. Por fim, é impossível negar que o clima épico e grandioso está lá, que há inúmeras cenas visualmente soberbas, que o ritmo e a narrativa prendem, que a magnífica trilha sonora de Basil Poledouris faz a sua parte (Anvil of Crom está entre as músicas com maior poder de causar arrepios de empolgação que já ouvi) e que o final é bem sacado por abrir possibilidades ilimitadas para os próximos filmes que viessem a ser rodados, ainda que isso tenha sido muito pouco explorado mais tarde. Resumindo tudo, Conan, o Bárbaro atualmente figura na minha coleção de DVDs, como acredito que deva figurar na de todo apreciador de fantasia e de aventuras épicas.

Pena que seja, até o momento, o único filme sobre Conan merecedor de tal distinção!...


Conan, o Destruidor, não chega a ser um desastre total, mas decepcionou, e muito, a quem esperava ver uma continuação digna do primeiro filme. É apenas uma aventurazinha feijão-com-arroz, do tipo que esperaríamos encontrar em alguma edição meia-boca d'A Espada Selvagem de Conan lá por meados dos anos 90, quando tanto as histórias originais de Conan escritas por Howard quanto as melhores criações de Roy Thomas e da dupla L. Sprague de Camp & Lin Carter já haviam sido todas publicadas e a revista tentava sobreviver com o material (muitas vezes pífio) disponível.

(Obs.: Para tornar a coisa toda ainda mais difícil de entender, o roteiro desse filmeco leva a assinatura de Roy Thomas em pessoa... Inexplicável.)

No filme, a rainha-bruxa Taramis (nome emprestado de uma personagem de uma história de Howard, embora a personagem em si não seja a mesma) contrata Conan para escoltar sua sobrinha Jenna (idem) na busca pelo Chifre de Dagon, um artefato de magia divina extremamente poderoso, e que somente Jenna, uma predestinada, pode tocar. O bárbaro é acompanhado por um amigo ladrão metido a engraçado (Tracey Walter) e pelo gigantesco guarda-costas de Jenna, Bombaata (Wilt Chamberlain); no caminho juntam-se ao grupo o mesmo mago do filme anterior (Mako) e uma guerreira negra, Zula (Grace Jones). O Chifre está guardado na fortaleza do mago Thoth Amon, e o grupo de heróis precisará invadir o local para obtê-lo. Há lutas, monstros, armadilhas, muitas cabeças decepadas e sangue à vontade, mas falta um algo mais que pudesse ter feito o filme sobressair acima do comum. Conan, o Destruidor vale para um passatempo inconsequente, mas não ficará marcado na memória como seu antecessor.

(Thoth Amon, a propósito, é um personagem que Howard parece ter criado meio às pressas, batizando-o com os nomes de dois deuses egípcios escolhidos ao acaso, apenas para que Conan tivesse um grande mago do mal como inimigo, assim como Kull tinha Thulsa Doom; de qualquer forma, embora nas histórias originais tenha dado muita dor de cabeça ao herói durante muito tempo, aqui ele aparece reduzido a um vilão de ocasião.)

E o que dizer do Conan versão 2011? Que é um festival de clichês? Bem, isso poderia ser dito dos dois filmes anteriores, e, vamos concordar, clichê não é sempre e necessariamente uma coisa ruim. Porém, dependendo de como são usados, os clichês podem dar forma a alguma coisa que empolgue  ou não.

O novo filme começa como nenhum filme de Conan pode deixar de começar: com uma voz que poderia pertencer a algum velho erudito recitando "
Entre os anos em que os oceanos tragaram a Atlântida e a ascensão dos filhos de Aryas..." Aqui, porém, essa introdução é emendada com uma história que repercutirá diretamente na aventura a ser narrada: no antigo e sombrio reino de Acheron, que teria existido antes do mundo hiboriano tomar forma, foi fabricado um artefato maligno, uma máscara capaz de dar poderes inimagináveis àquele que a usar  só que, para isso, precisa ser "abastecida" com o sangue de moças virgens. Quando o reino de Acheron caiu, as tribos bárbaras vitoriosas dividiram a máscara em três partes, "para que ninguém mais viesse a usar seus poderes malignos" (Obs.: Embora o filme nada diga a respeito, suponho que essa máscara tivesse algum tipo de magia que a tornava indestrutível, mais ou menos como o Um Anel de Sauron; é a única explicação para que os bárbaros não a tenham destruído de uma vez e encerrado o assunto. Aliás, por que será que de repente me lembrei de Hellboy II?). E, como seria inevitável que acontecesse, séculos depois surge um sinistro vilão disposto a tudo para encontrar as três partes e ganhar os poderes ilimitados que a máscara promete. Para falar a verdade, o vilão em questão poderia ser mais sinistro: Khalar Zym (Stephen Lang) lembra demais o zelador Argo Filch, dos filmes de Harry Potter, para ser capaz de meter medo em alguém.

Entrementes, o pequeno Conan nasce no seio da tribo ciméria que guarda um dos pedaços da máscara – e nasce, literalmente, num campo de batalha (Robert E. Howard escreveu de passagem algo a respeito). Em poucos anos mostra a que veio, vencendo rapazes bem mais velhos nas rudes competições atléticas que acontecem na tribo e, de quebra, matando alguns pictos, inimigos hereditários de seu povo, antes mesmo de ter idade para fazer a barba. Porém, antes que ele tenha tempo de se tornar um guerreiro de fato, Khalar Zym descobre o paradeiro do pedaço da máscara e vem buscá-lo, de modo que a tribo é dizimada (de novo), com o acréscimo de um requinte de crueldade: Khalar obriga Conan a assistir à morte de seu pai e mestre, o ferreiro e guerreiro Corin (Ron Perlman – puxa, Hellboy está me perseguindo hoje), ironicamente vitimado pelo mesmo elemento com o qual ganhava a vida: ferro derretido.

Não é difícil imaginar a vida de privações e perigos que o jovem cimério enfrenta a partir daí, mas isso fica implícito: o ator adolescente sai de cena e é substituído por Jason Momoa, o Conan "definitivo" – e preciso dizer: Momoa visivelmente se esforça, mas, embora eu bem que tenha tentado, não consigo achar que ele tenha a cara do personagem: talvez seja por ser havaiano, mas sempre vai me lembrar mais um surfista bombado que um guerreiro bárbaro. Como seria mais do que previsível, o cimério vai atrás de Khalar Zym para vingar a morte do pai, só que, a essa altura, o vilão está muito próximo de conseguir o que quer: já juntou todos os pedaços da máscara e só precisa encontrar uma mulher de "sangue puro" (seja lá o que isso queira dizer) para sacrificar a fim de ativar o poder da coisa. Essa é Tamara (Rachel Nichols), que está sendo educada para sacerdotisa até o templo onde vive ser atacado pela horda de Khalar Zym e todas as suas colegas e mestres serem chacinados. Ela própria escapa graças a Conan, e, se até aí não tinha havido surpresas, daí em diante muito menos: a bela mocinha passa quase todo o resto do filme a tiracolo do herói musculoso enquanto ele despacha filas e filas de vilões e monstros, e, a certa altura, é salva por ele de um destino trágico, por um triz, é claro. Gritando muito o tempo todo.

Visualmente, o novo Conan é cansativo em várias partes: a tentativa de evocar um clima "sombrio" faz com que haja muitas cenas escuras, em que os olhos do espectador se fatigam tentando acompanhar a ação no que parece ser apenas uma confusão de formas indistintas em movimento – em 3D fica ainda pior –, e, quando essas cenas terminam, tem-se sempre a sensação de haver perdido alguma coisa. O diretor alemão Marcus Nispel poderia ter aprendido com 300, no qual o uso inteligente da fotografia em sépia dá o tom soturno sem prejudicar a visibilidade.

Muito do que eu disse sobre Conan, o Destruidor também se aplica a Conan, o Bárbaro 2011: não é propriamente uma catástrofe, e não se pode negar que tem tudo o que uma aventura do gênero sword and sorcery que se preza (e até as que não se prezam) precisa ter: sequências vertiginosas de ação, lutas bem coreografadas, intervenções sobrenaturais, monstros, cenários exóticos... O problema é que, depois de assisti-lo, fica-se com a sensação de que, com tudo isso, teria sido possível fazer um filme muito melhor. Sabe como é quando você prova um prato que, embora tenha levado todos os ingredientes que devia, mesmo assim ficou insosso, porque faltou ao cozinheiro aquele "pulo do gato"? Resumindo: o filme até consegue seu objetivo de divertir – mas está muito, muito longe de fazer com que tenham valido a pena os 27 anos de espera para ver Conan nas telas novamente. Um filme sword and sorcery pode, sim, ir além de ser uma aventurazinha vulgar: pode empolgar, encher os olhos e a imaginação, inspirar e emocionar. Só que ainda continuamos esperando por uma produção sobre Conan que se mostre capaz de provar tudo isso: o filme de Nispel, definitivamente, não prova.