terça-feira, julho 30, 2013

O Filho de Netuno

Bem que eu tentei, juro que tentei: meu plano original era alternar alguma outra leitura antes de pegar o segundo volume de Os Heróis do Olimpo, mas foi impossível conter a curiosidade, de modo que acabei emendando este O Filho de Netuno assim que terminei O Herói Perdido. Em parte, isso foi porque, neste último, não se tinha qualquer notícia de Percy Jackson, a não ser o fato de que ele havia desaparecido, e porque o segundo volume, já no próprio título, prometia informações sobre o paradeiro do aluno favorito do centauro Quíron. E assim foi!

Já próximo ao final de O Herói Perdido, ocorreram algumas revelações. A mais espetacular delas foi a de que o Acampamento Meio-Sangue não era tão único quanto (quase) todos acreditavam: do outro lado do país, na Califórnia, não longe da capital San Francisco, fica o Acampamento Júpiter, também habitado por semideuses - mas semideuses romanos, e não gregos como Percy e seus companheiros. Explicar isso seria inevitavelmente um pouco complicado, mas Rick Riordan conseguiu fazê-lo muito bem, e com o mérito adicional de ampliar um pouco mais a compreensão de seus jovens leitores acerca da cultura clássica. Vou tentar resumir a ópera.

Ocorre que, como já comentado em O Ladrão de Raios, os deuses "gregos" só são chamados assim porque foi na Grécia que nasceram - a mesma Grécia onde também nasceu a civilização ocidental, sem que isso represente coincidência alguma, em absoluto. Segundo Riordan, ao longo da história, os deuses sempre habitaram na nação que, num determinado período, melhor representasse essa civilização. A primeira nação para a qual se mudaram ao deixarem a Grécia - e também a última a acreditar massivamente nos olimpianos e a lhes prestar culto público - foi justamente Roma. E, embora Roma tivesse certos deuses (em geral, menores) que eram exclusivamente romanos, os principais eram os mesmos que foram herdados dos gregos ("principais", ao menos, em termos de culto público; não vou falar aqui do culto familiar aos ancestrais, que, para a maioria dos romanos, era a religião que realmente importava: embora trate-se de assunto fascinante, essencial para a compreensão da Antiguidade, e conhecido por pouquíssima gente, faria com que eu me estendesse demais). Porém, é importante ter em mente que, ao contrário do que muitos pensam, os romanos não se limitaram a importar os deuses gregos e mudar-lhes os nomes; os deuses até podiam ser os mesmos, mas todos eles eram vistos de forma diferente - no caso de alguns, radicalmente diferente. O melhor exemplo é provavelmente Ares/Marte, o deus da guerra. Para os gregos, tudo o que Ares representava era a sanguinolência e a loucura da batalha, e por isso ele não estava entre os deuses mais benquistos ou cultuados: mesmo quando necessitavam de assessoria divina para assuntos bélicos, eles geralmente preferiam dirigir-se a Atena, que era identificada com a estratégia militar. Já para os romanos, Marte significava coragem, masculinidade e honra. Templos grandiosos foram erigidos para ele, seu culto era um dos mais populares, e os legendários fundadores da cidade, Rômulo e Remo, eram tidos e havidos por seus filhos. Este trecho de O Filho de Netuno, que reproduz um diálogo entre Percy e Marte, serve bem para ilustrar a diferença:

– Você é o deus da guerra (…). Não quer massacres sem fim?
– (…) Sou o deus de Roma, criança. Sou o deus do poderio militar utilizado em causas justas. Protejo as legiões. Fico feliz em esmagar inimigos sob meus pés, mas não luto sem motivo. Não desejo guerras sem fim. Você descobrirá isso. Você servirá a mim.

Dito tudo isso, o leitor já estará em condições de compreender a ideia de alguns semideuses serem "gregos", e outros, "romanos": tudo depende de como seu pai ou mãe divinos hajam se apresentado na ocasião em que os geraram. Não fica claro o que leva o deus ou deusa a preferir aparecer em sua "forma grega" ou "forma romana" num determinado momento; é provável que essa decisão seja motivada por impulsos subjetivos e sem razão aparente, já que os deuses mitológicos têm dessas coisas tanto quanto os seres humanos.


Acontece então que Percy "acorda" num casarão em ruínas e cercado de florestas, na companhia de uma alcateia liderada por uma deusa-loba, Lupa (nome que significa simplesmente "loba"; ela vem a ser a loba que amamentou e protegeu Rômulo e Remo quando bebês, e que, por isso, Marte recompensou com a imortalidade). O rapaz teve a memória apagada, da mesma forma como aconteceu com Jason no livro anterior - um estratagema da deusa Hera/Juno, que promoveu essa "troca de líderes", como ela própria definiu: com isso, ela pretende que os dois acampamentos, separados por um histórico de séculos de inimizade, iniciem uma nova era de cooperação. Lupa mantém Percy vivendo com a alcateia por algum tempo, enquanto lhe dá a instrução básica, e então o envia para o sul, para o Acampamento Júpiter, a fim de encontrar seus pares.

O Acampamento Júpiter é muito diferente do Meio-Sangue. Em vez de ficarem agrupados conforme sua filiação divina, os campistas seguem uma organização militar, bem à maneira romana. Segundo Rick Riordan, a Legio XII Fulminata - a Décima-Segunda Legião, "Armada de Raios" - teria sobrevivido ao colapso do Império Romano do Ocidente e fundado o acampamento, que, desde então, já teria mudado de lugar diversas vezes. A legião, atualmente, é bem menos numerosa do que nos velhos tempos: apenas algumas centenas de soldados, na maioria adolescentes, o que talvez seja compensado pelos poderes e habilidades especiais que possuem. Nem todos são filhos de deuses: muitos já são a terceira ou quarta geração - filhos ou netos de semideuses. Perto do acampamento, e, como ele, escondida do mundo exterior, fica a cidade de Nova Roma, habitada basicamente por veteranos da legião e por suas famílias. Trata-se de uma cidade de verdade, onde uma pessoa pode viver, estudar, trabalhar e criar filhos - e, de fato, muitos dos atuais legionários nasceram lá mesmo. Isso deixa Percy com um pouco de inveja, pois não existe nada parecido para o pessoal do Acampamento Meio-Sangue; aliás, parece ser mais ou menos um consenso entre os semideuses gregos que eles devem aceitar a ideia de que dificilmente viverão o bastante para construir uma família. Saber que tal lugar existe leva Percy a pensar em coisas nas quais nunca se atrevera a pensar antes: ele e Annabeth adultos, casados, com filhos.

Porém, há muita coisa para mantê-lo ocupado em um prazo muito mais curto. Gaia (a terra), a mãe dos titãs, está despertando de seu sono de eras, e isso não é nada bom. Depois que os olimpianos derrotaram os titãs pela primeira vez, milênios atrás, ela gerou uma nova leva de filhos, os gigantes, que também lutaram contra os deuses e foram derrotados. E a história está se repetindo: os deuses e os semideuses, juntos, venceram outra vez os titãs, como visto em O Último Olimpiano, e, como antes, Gaia envia os gigantes em busca de uma revanche. Um exército de monstros de todos os tipos está a caminho para arrasar Nova Roma e o Acampamento Júpiter, sendo liderado por Alcioneu, um dos primeiros gigantes a despertarem (ou renascerem?). Isso seria uma grave ameaça de qualquer forma, mas é ainda pior nesse momento, porque Tânatos, o deus da morte, lugar-tenente de Hades, está aprisionado, e, por causa disso, os monstros que os heróis matam teimam em não permanecer mortos, recompondo-se em questão de minutos. Para que a legião possa ao menos ter uma chance na batalha que se aproxima, um grupo de bravos legionários terá que descobrir o local onde Tânatos está sendo mantido preso, e encontrar um meio de libertá-lo. A missão caberá, é claro, ao mais novo recruta da Fulminata, Percy Jackson - que, embora novato na legião, não o é em aventuras perigosas -, e a dois companheiros com características e backgrounds muito curiosos, e com quem ele fez amizade instantaneamente: dois novos nomes a se juntarem à já extensa galeria de personagens memoráveis desse universo.

Frank Zhang é um canadense descendente de chineses; grande e forte, mas com cara de bebê, é muitas vezes alvo de chacota entre os companheiros por causa disso, e também por ser um desses desafortunados sujeitos que, por alguma razão que nem a ciência explica, parecem ter duas mãos esquerdas: é desajeitado e desastrado em quase tudo o que faz. A única coisa em que Frank é realmente bom é em arco e flecha, arma que os romanos mais ou menos desprezavam: embora reconhecessem sua utilidade tática no campo de batalha, consideravam-na indigna dos esforços de um cidadão romano, de modo que a deixavam para as tropas auxiliares, recrutadas entre os povos aliados ou conquistados. A mãe de Frank, que era do exército canadense, morreu em ação no Afeganistão há pouco tempo, e ele ainda não foi "reclamado", isto é, seu pai divino ainda não se revelou. Ele tem uma certa esperança de que seja Apolo, o que ao menos lhe daria uma desculpa para preferir o arco. Será?

Opinião parecida à que tinham sobre arqueiros, os romanos também dedicavam à cavalaria: era coisa para bárbaros. Um romano devia ser um legionário, combater na infantaria, com lança, espada e escudo, enfrentando o inimigo homem a homem. Entre outros, esse é mais um fator a gerar identificação entre Frank e sua melhor amiga, Hazel Levesque: ela gosta de cavalos e leva jeito com eles, mas, tal como a de Frank, sua habilidade não é muito valorizada na legião. Hazel é uma garota negra que cresceu em Nova Orleans, onde sua mãe ganhava a vida lendo sortes e vendendo amuletos, até que, de tanto fingir que mexia com as coisas do além, acabou, acidentalmente, invocando o próprio deus dos mortos, Plutão (ou Hades, caso prefiram o nome grego), que, como vocês já devem ter deduzido, viria a ser o pai de sua filha. Isso tudo não aconteceu na Nova Orleans de hoje: Hazel viveu nas décadas de 30 e 40 do século XX, e foi nessa mesma época que morreu, com apenas 13 anos e sob circunstâncias terríveis. Foi trazida de volta há meses apenas, por obra de um meio-irmão seu, que Percy, aliás, conhece bem, ainda que não se lembre no momento. O passado de Hazel esconde um segredo terrível.

Acho que tudo o que posso dizer à guisa de conclusão é que gostaria de ter comentado O Filho de Netuno logo após seu lançamento, pois assim, talvez meu texto pudesse ter servido para atiçar o apetite de alguns fãs que ainda não o tivessem lido. Infelizmente, minha capacidade de ler e comentar é limitada (hehehe!), enquanto a fila de livros aguardando a vez, além de enorme, não cessa de crescer. Em todo caso, se ainda houver algum fã de Riordan que não o tenha lido, sugiro que não perca mais tempo… Na verdade, esse é um bom conselho até para os que (ainda) não são fãs.