sexta-feira, novembro 21, 2014

Em Nome do Mal

Devo começar confessando que romance policial nunca ocupou um lugar no "top four" de meus gêneros preferidos de leitura, que, embora eu nunca tenha pensado muito a respeito, é provavelmente formado por fantasia, ficção científica, ficção histórica e horror, não necessariamente nessa ordem (eu não saberia em que ordem colocá-los, na verdade) e pelos crossovers possíveis entre esses gêneros. Quanto à ficção policial, devo ter lido no máximo dois ou três livros desse tipo na vida; não sei por que, mas o gênero nunca me empolgou de verdade. Mesmo em se tratando de um autor de que gosto, como Sir Arthur Conan Doyle, merecidamente considerado um gigante da ficção policial por ter criado Sherlock Holmes, foi a seus contos de terror que dediquei atenção de forma preferencial. Tenho duas das aventuras de Holmes na minha estante, esperando a vez – mas o fato de já estarem esperando há um bom tempo, enquanto vários outros livros foram lidos assim que chegaram, deve ter algum significado.

Sendo assim, é preciso procurar uma explicação para o fato de que Em Nome do Mal, de autoria do (para mim) desconhecido escocês James Oswald, tenha me atraído. Provavelmente foi porque a capa e o título apontavam mais para uma obra de terror do que policial, e porque, ao pegá-lo e fazer aquele reconhecimento básico que todo leitor sabe como é (contracapa, orelhas, seguidas de uma folheada aleatória e da leitura de pequenos trechos em qualquer lugar onde os olhos batam), a impressão foi a de que o que encontraria seria um crossover entre os dois gêneros, o que de fato é o caso... De certa forma. A ideia soou interessante e um tanto inusitada, pois, embora vários escritores consagrados de literatura policial também tenham se aventurado em histórias sobrenaturais (e vice-versa: não esqueçamos Edgar Allan Poe!), mesmo esses parecem considerar os dois tipos de histórias como compartimentos estanques dentro de sua obra. Talvez isso aconteça porque a ficção policial, como gira em torno de investigação, apele muito à lógica e à razão, enquanto o terror, para funcionar, depende do estímulo a algumas das emoções mais básicas do ser humano. De todo modo, desde que se saiba fazer isso bem, é uma mistura que pode perfeitamente render coisas boas.

Edimburgo, Escócia. Recém-promovido a inspetor, o policial Anthony McLean sofre a aflição de uma perda pessoal quando sua avó, que o criou desde a morte de seus pais quando ele tinha quatro anos de idade, entra em coma, com pouca chance de se recuperar. Ainda afetado por esse acontecimento, McLean se depara com uma série de assassinatos excepcionalmente cruéis, e de suicídios ocorridos em condições estranhas. Todos esses casos parecem não ter relação alguma entre si, mas, ao mesmo tempo, mostram semelhanças que o cérebro investigativo do inspetor se recusa a admitir que sejam meras coincidências. As vítimas são todas homens idosos e ricos, membros respeitados da sociedade de Edimburgo, e todos eles tiveram o tórax aberto, retalhado, sendo que cada um teve um órgão diferente cortado e colocado em sua boca (credo). O detalhe desconcertante é que, logo depois de cada assassinato, houve um suicídio, de alguém aparentemente sem nenhuma conexão com a vítima – e, apesar disso, sempre aparecem evidências inegáveis apontando que o suicida foi o assassino. Mais perturbador ainda: se cada assassino se matou logo em seguida, e a polícia não divulgou detalhes das mortes, como é possível que todos os crimes tenham sido cometidos de modo idêntico, parecendo seguir um mesmo modus operandi, como se fosse um ritual?

As estranhezas não param por aí. Uma velha mansão que pertenceu a uma rica e poderosa família no começo do século XX está sendo reformada quando a derrubada de uma parede em suas fundações revela uma câmara oculta, e, dentro dela, um espetáculo macabro: o corpo mumificado de uma jovem assassinada há cerca de 60 anos. Suas mãos e pés estão pregados ao piso de madeira, há uma espécie de círculo mágico traçado à sua volta, e vários órgãos foram retirados e conservados dentro de vidros, que, por sua vez, foram dispostos ao redor, seguindo um padrão. Isso tudo torna óbvio que ela foi morta em algum tipo de cerimônia demoníaca. Como se trata de um crime praticado há tantas décadas, de modo que os responsáveis muito provavelmente já estão mortos, McLean não pode dedicar muito tempo a tentar elucidá-lo, pois seus superiores preferem, e com razão, que ele se foque nos crimes atuais, cujo mentor ainda pode estar à solta, mesmo que os executores diretos tenham se matado. Só que tudo o que ele vai descobrindo sobre esses outros casos parece levá-lo de volta ao da garota morta, como se, de uma forma sinistra que ele ainda não consegue determinar, todas as mortes estivessem interligadas. E, embora muitos dos elementos que ele vai descobrindo sejam seus velhos conhecidos devido a seus anos de experiência como detetive de polícia, há outros que parecem não ter explicação... Pelo menos, nenhuma explicação natural. Dessa forma, uma das coisas que conferem interesse ao livro é a chance que o leitor tem de ver uma mente essencialmente analítica e racional – a mente de um detetive – tentando processar fatos que, embora reais, só parecem fazer sentido caso ele admita um fundamento sobrenatural para eles, o que, por uma questão de princípios, recusa-se a fazer... até ser obrigado pelas circunstâncias.

Quem for ler Em Nome do Mal esperando uma grande dosagem de terror sobrenatural na fórmula talvez se decepcione: embora esse elemento seja uma parte fundamental no todo da história, ele mostra muito pouco a sua cara ao longo dela. Se eu próprio, de maneira geral, não me decepcionei, foi porque descobri no livro outras boas qualidades para compensar aquilo que eu procurava e não encontrei. A principal delas é sem dúvida a narrativa envolvente, que vai conduzindo o leitor de capítulo em capítulo, e o desafio de ir juntando as peças e, quem sabe, matar as charadas antes que o detetive o faça – isso me aconteceu umas duas vezes durante a leitura, e confesso que me peguei bem satisfeito ao ver que minhas teorias se confirmavam. Suponho que esse exercício mental seja uma das coisas que fazem os verdadeiros fãs de literatura policial gostarem tanto do gênero, e bem que fiquei com vontade de praticá-lo mais. O que achei frustrante foi o final, muito repentino e "fácil", se considerarmos as expectativas que o livro leva o leitor a criar.

Em Nome do Mal é o primeiro volume de uma série, mas é também uma narrativa "fechada", com início, meio e fim, de modo que ninguém precisa ficar com receio de lê-lo e depois ter que esperar talvez anos pela continuidade de uma história que o autor deixou "pendurada" num momento-chave. McLean soluciona o seu caso, mas seu próprio passado nebuloso, sobre o qual o autor, nessa primeira aventura, dá apenas pistas, leva-nos a ter vontade de continuar a acompanhá-lo. Posso dizer que, apesar do final pouco satisfatório, o livro não faz feio aos olhos de um não-fã de ficção policial, e que, se as próximas histórias do inspetor McLean seguirem nesse passo, James Oswald pode ter ganho um leitor assíduo.