terça-feira, janeiro 29, 2008

Eu, Robô

Isaac Asimov nasceu em Petrovich, na então União Soviética, em 02 de janeiro de 1920, e faleceu em Nova York, onde morava, em 06 de abril de 1992. Entre uma coisa e outra, teve tempo de ser um dos mais prolíficos e admirados escritores norte-americanos do século XX (pois, apesar de nascido na Rússia, mudou-se com a família para os Estados Unidos aos três anos de idade, e sempre se considerou um cidadão americano). Desde pequeno foi um leitor voraz, e, graças à leitura das revistas de ficção científica mais populares da época, desenvolveu também o entusiasmo pela ciência. Formou-se em Bioquímica na Universidade de Columbia, onde mais tarde também lecionou. Porém, fizesse o que fizesse, nunca deixou de escrever.

Tenho uma longa história com o livro Eu, Robô. Li pela primeira vez aos 12 anos, e ele foi um dos grandes responsáveis por me tornar um fã de ficção científica, o que fui durante muitos anos - e ainda sou, embora hoje em dia tenha tantos outros interesses no campo da leitura, que tornou-se um tanto raro pegar um livro do gênero. O livro reúne nove contos - nove exemplos do que de melhor se produziu em matéria de ficção robótica durante a assim chamada "era de ouro da ficção científica", que foi do fim dos anos 30 ao fim dos 40, aproximadamente - escritos quando Asimov tinha de 19 a 30 anos, e publicados ao longo desse período em diversas revistas. Em 1950, o autor selecionou exatamente esses nove (dentre a enormidade de coisas que havia escrito desde 1939) para integrarem este livro, que viria a ser uma das "bíblias" do gênero.

O livro começa em 2057, quando a famosa robopsicóloga (sim, isso mesmo: psicóloga de robôs) Susan Calvin, uma das figuras mais importantes da gigante US Robôs e Homens Mecânicos S.A., está para se aposentar, e um repórter é incumbido de entrevistá-la. Essa conversa acaba não sendo apenas sobre a vida da Dra. Calvin, mas sobre a história da US Robôs e, por conseqüência, também sobre a evolução dos robôs positrônicos, sem os quais já não é possível imaginar a sociedade naqueles tempos. Os nove contos originais são inseridos na conversa entre a cientista e o repórter, como sendo lembranças de histórias de que ela participou, que testemunhou ou ouviu contar durante mais de 50 anos de vida dedicados ao trabalho com os robôs.

Para nove histórias que foram escritas independentemente umas das outras, é impressionante como os contos ilustram bem a crescente importância que os robôs assumem ao longo da primeira metade do século XXI (não esqueçam, essas histórias foram escritas quando o século XXI era um futuro relativamente distante). O primeiro conto, Robbie, passa-se ainda no século XX, para ser mais exato em 1998, e trata da amizade entre Gloria, uma menina de oito anos, e um robô programado para ser sua ama-seca (!). Detalhe: Robbie é mudo, pois foi construído antes da invenção dos sintetizadores de voz que depois equipariam robôs mais avançados, mas isso não o impede de comunicar-se com sua pequena dona. Mas talvez o ponto mais importante do conto seja a abordagem da tecnofobia, que iria se manifestando com cada vez mais força à medida em que os robôs se tornassem mais sofisticados. Embora Robbie seja um modelo relativamente rudimentar, causa desconfiança à mãe de Gloria, que não gosta da ideia de sua filha ser "criada por uma máquina" e empenha-se ferozmente em separar os dois amigos.

A tecnofobia, aliás, tem a ver com uma das principais razões que fizeram as histórias de robôs de Asimov serem consideradas revolucionárias, apesar de tantos autores de ficção científica antes dele já terem escrito sobre o assunto. Ele foi o grande responsável por eliminar (ou, ao menos, suavizar) o "complexo de Frankenstein", que era o ponto de vista predominante até então: a idéia de que, se o homem criasse uma máquina tão ou mais inteligente que ele próprio, essa máquina fatalmente destruiria seu criador. Vale lembrar que Frankenstein, de Mary Shelley, escrito em 1818, é considerado uma das primeiras obras de ficção científica, apesar de seu ponto de vista ainda ser típico do Romantismo (refiro-me ao movimento artístico) vigente na época: "Há coisas que o homem não deve descobrir!"

Asimov mudou isso ao criar as Três Leis da Robótica, que são enunciadas pela primeira vez no segundo conto de Eu, Robô (que, por falar nisso, é também onde foi inventada a palavra "robótica"). O conto é Brincadeira de Pegar, e, nele, os engenheiros da US Robôs Gregory Powell e Michael Donovan estão em sérios apuros, em pleno planeta Mercúrio, com sua sobrevivência dependendo de um robô que aparentemente enlouquece de uma hora para outra. Para descobrir o porquê do estranho comportamento da máquina, os dois homens precisam raciocinar tendo como base as Três Leis, que são:

1. Um robô não pode fazer mal a um ser humano, ou, por inação, permitir que um ser humano sofra qualquer tipo de mal.
2. Um robô deve obedecer às ordens recebidas de seres humanos, exceto quando tais ordens entrarem em conflito com a Primeira Lei.
3. Um robô deve proteger sua própria existência, desde que, fazendo isso, não entre em conflito com a Primeira ou a Segunda Leis.

A idéia é que tais leis fossem o "princípio zero" no cérebro dos robôs, de tal forma que nenhum "bug" (como diríamos hoje) seja capaz de interferir nelas: qualquer robô simplesmente pararia de funcionar muito antes de se tornar capaz de desobedecer a essas leis.

Ao longo dos contos seguintes, somos confrontados com uma série de situações desafiadoras envolvendo robôs de diversos tipos, sempre tendo como eixo as Três Leis e as possíveis implicações e problemas do seu cumprimento. O que a inflexível lógica binária dos robôs interpretaria como "fazer mal"?... Mesmo que um robô se julgue superior aos seres humanos (e, sob muitos aspectos, sem dúvida ele o é), continua a ter a obrigação de obedecer a tais criaturas patéticas?...

Os dois últimos contos são os de maior alcance e implicações mais profundas. Em Prova, um certo Stephen Byerley, candidato a prefeito de Nova York, é suspeito de ser na verdade um robô de aparência humanóide. A Dra. Susan Calvin, que nesse conto participa diretamente da ação, declara que o teste para saber a verdade é um só, mas não é conclusivo: se Byerley transgredir as Três Leis, então ele é humano - mas, se ele as respeitar, isso não prova coisa alguma! No último conto, O Conflito Evitável, Byerley já é Coordenador Mundial, numa época em que a maior parte das funções de governo são desempenhadas por supercomputadores, que, por também serem robôs de certo tipo, operam subordinados às Três Leis, o que faz deles governantes muito mais confiáveis que a maioria dos políticos que conhecemos. Quantos líderes, ao longo da História, se lembraram que seu verdadeiro papel devia ser o de servir àqueles a quem governavam?... Nesse conto, escrito às vésperas da década de 50 - o período mais tenso da Guerra Fria -, Asimov aposta em que os robôs, com sua inteligência artificial, poderiam um dia evitar que nós, seres humanos, nos autodestruíssemos com nossa burrice natural.

Deixo a conclusão para a própria Dra. Calvin: "E isto é tudo. Vi tudo desde o começo, quando os pobres robôs não podiam falar, até o fim, quando servem como baluartes, postados entre a humanidade e a destruição. Nada mais tenho a ver. Minha vida terminou. Cabe a vocês ver o que virá no futuro."

Uma nota final: por muito tempo me neguei a ver o filme Eu, Robô, de 2004, estrelado por aquela mistura de cantor de rap, comediante e ator de ação que atende pelo nome de Will Smith, por receio de ficar excessivamente enfurecido no caso de os enredos profundamente cerebrais bolados por Asimov terem sido transformados num pastiche propício para Smith protagonizar cenas de ação ensandecida e soltar suas piadinhas sem graça, mas, recentemente, quando o filme passou na TV, resolvi encarar, e, para minha surpresa, ele não é um desastre total. Certo, Susan Calvin aparece totalmente descaracterizada, e Asimov JAMAIS criaria um herói como o interpretado por Smith, mas o enredo geral, baseado no conto Pobre Robô Perdido, que também está em Eu, Robô, manteve o elemento de mistério do original - Asimov também escreveu histórias policiais, e, dentro de sua produção de ficção científica, esse é provavelmente o conto mais "policial". Não terá sido por outro motivo que foi escolhido para basear o filme.