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terça-feira, julho 30, 2013

O Filho de Netuno

Bem que eu tentei, juro que tentei: meu plano original era alternar alguma outra leitura antes de pegar o segundo volume de Os Heróis do Olimpo, mas foi impossível conter a curiosidade, de modo que acabei emendando este O Filho de Netuno assim que terminei O Herói Perdido. Em parte, isso foi porque, neste último, não se tinha qualquer notícia de Percy Jackson, a não ser o fato de que ele havia desaparecido, e porque o segundo volume, já no próprio título, prometia informações sobre o paradeiro do aluno favorito do centauro Quíron. E assim foi!

Já próximo ao final de O Herói Perdido, ocorreram algumas revelações. A mais espetacular delas foi a de que o Acampamento Meio-Sangue não era tão único quanto (quase) todos acreditavam: do outro lado do país, na Califórnia, não longe da capital San Francisco, fica o Acampamento Júpiter, também habitado por semideuses - mas semideuses romanos, e não gregos como Percy e seus companheiros. Explicar isso seria inevitavelmente um pouco complicado, mas Rick Riordan conseguiu fazê-lo muito bem, e com o mérito adicional de ampliar um pouco mais a compreensão de seus jovens leitores acerca da cultura clássica. Vou tentar resumir a ópera.

Ocorre que, como já comentado em O Ladrão de Raios, os deuses "gregos" só são chamados assim porque foi na Grécia que nasceram - a mesma Grécia onde também nasceu a civilização ocidental, sem que isso represente coincidência alguma, em absoluto. Segundo Riordan, ao longo da história, os deuses sempre habitaram na nação que, num determinado período, melhor representasse essa civilização. A primeira nação para a qual se mudaram ao deixarem a Grécia - e também a última a acreditar massivamente nos olimpianos e a lhes prestar culto público - foi justamente Roma. E, embora Roma tivesse certos deuses (em geral, menores) que eram exclusivamente romanos, os principais eram os mesmos que foram herdados dos gregos ("principais", ao menos, em termos de culto público; não vou falar aqui do culto familiar aos ancestrais, que, para a maioria dos romanos, era a religião que realmente importava: embora trate-se de assunto fascinante, essencial para a compreensão da Antiguidade, e conhecido por pouquíssima gente, faria com que eu me estendesse demais). Porém, é importante ter em mente que, ao contrário do que muitos pensam, os romanos não se limitaram a importar os deuses gregos e mudar-lhes os nomes; os deuses até podiam ser os mesmos, mas todos eles eram vistos de forma diferente - no caso de alguns, radicalmente diferente. O melhor exemplo é provavelmente Ares/Marte, o deus da guerra. Para os gregos, tudo o que Ares representava era a sanguinolência e a loucura da batalha, e por isso ele não estava entre os deuses mais benquistos ou cultuados: mesmo quando necessitavam de assessoria divina para assuntos bélicos, eles geralmente preferiam dirigir-se a Atena, que era identificada com a estratégia militar. Já para os romanos, Marte significava coragem, masculinidade e honra. Templos grandiosos foram erigidos para ele, seu culto era um dos mais populares, e os legendários fundadores da cidade, Rômulo e Remo, eram tidos e havidos por seus filhos. Este trecho de O Filho de Netuno, que reproduz um diálogo entre Percy e Marte, serve bem para ilustrar a diferença:

– Você é o deus da guerra (…). Não quer massacres sem fim?
– (…) Sou o deus de Roma, criança. Sou o deus do poderio militar utilizado em causas justas. Protejo as legiões. Fico feliz em esmagar inimigos sob meus pés, mas não luto sem motivo. Não desejo guerras sem fim. Você descobrirá isso. Você servirá a mim.

Dito tudo isso, o leitor já estará em condições de compreender a ideia de alguns semideuses serem "gregos", e outros, "romanos": tudo depende de como seu pai ou mãe divinos hajam se apresentado na ocasião em que os geraram. Não fica claro o que leva o deus ou deusa a preferir aparecer em sua "forma grega" ou "forma romana" num determinado momento; é provável que essa decisão seja motivada por impulsos subjetivos e sem razão aparente, já que os deuses mitológicos têm dessas coisas tanto quanto os seres humanos.


Acontece então que Percy "acorda" num casarão em ruínas e cercado de florestas, na companhia de uma alcateia liderada por uma deusa-loba, Lupa (nome que significa simplesmente "loba"; ela vem a ser a loba que amamentou e protegeu Rômulo e Remo quando bebês, e que, por isso, Marte recompensou com a imortalidade). O rapaz teve a memória apagada, da mesma forma como aconteceu com Jason no livro anterior - um estratagema da deusa Hera/Juno, que promoveu essa "troca de líderes", como ela própria definiu: com isso, ela pretende que os dois acampamentos, separados por um histórico de séculos de inimizade, iniciem uma nova era de cooperação. Lupa mantém Percy vivendo com a alcateia por algum tempo, enquanto lhe dá a instrução básica, e então o envia para o sul, para o Acampamento Júpiter, a fim de encontrar seus pares.

O Acampamento Júpiter é muito diferente do Meio-Sangue. Em vez de ficarem agrupados conforme sua filiação divina, os campistas seguem uma organização militar, bem à maneira romana. Segundo Rick Riordan, a Legio XII Fulminata - a Décima-Segunda Legião, "Armada de Raios" - teria sobrevivido ao colapso do Império Romano do Ocidente e fundado o acampamento, que, desde então, já teria mudado de lugar diversas vezes. A legião, atualmente, é bem menos numerosa do que nos velhos tempos: apenas algumas centenas de soldados, na maioria adolescentes, o que talvez seja compensado pelos poderes e habilidades especiais que possuem. Nem todos são filhos de deuses: muitos já são a terceira ou quarta geração - filhos ou netos de semideuses. Perto do acampamento, e, como ele, escondida do mundo exterior, fica a cidade de Nova Roma, habitada basicamente por veteranos da legião e por suas famílias. Trata-se de uma cidade de verdade, onde uma pessoa pode viver, estudar, trabalhar e criar filhos - e, de fato, muitos dos atuais legionários nasceram lá mesmo. Isso deixa Percy com um pouco de inveja, pois não existe nada parecido para o pessoal do Acampamento Meio-Sangue; aliás, parece ser mais ou menos um consenso entre os semideuses gregos que eles devem aceitar a ideia de que dificilmente viverão o bastante para construir uma família. Saber que tal lugar existe leva Percy a pensar em coisas nas quais nunca se atrevera a pensar antes: ele e Annabeth adultos, casados, com filhos.

Porém, há muita coisa para mantê-lo ocupado em um prazo muito mais curto. Gaia (a terra), a mãe dos titãs, está despertando de seu sono de eras, e isso não é nada bom. Depois que os olimpianos derrotaram os titãs pela primeira vez, milênios atrás, ela gerou uma nova leva de filhos, os gigantes, que também lutaram contra os deuses e foram derrotados. E a história está se repetindo: os deuses e os semideuses, juntos, venceram outra vez os titãs, como visto em O Último Olimpiano, e, como antes, Gaia envia os gigantes em busca de uma revanche. Um exército de monstros de todos os tipos está a caminho para arrasar Nova Roma e o Acampamento Júpiter, sendo liderado por Alcioneu, um dos primeiros gigantes a despertarem (ou renascerem?). Isso seria uma grave ameaça de qualquer forma, mas é ainda pior nesse momento, porque Tânatos, o deus da morte, lugar-tenente de Hades, está aprisionado, e, por causa disso, os monstros que os heróis matam teimam em não permanecer mortos, recompondo-se em questão de minutos. Para que a legião possa ao menos ter uma chance na batalha que se aproxima, um grupo de bravos legionários terá que descobrir o local onde Tânatos está sendo mantido preso, e encontrar um meio de libertá-lo. A missão caberá, é claro, ao mais novo recruta da Fulminata, Percy Jackson - que, embora novato na legião, não o é em aventuras perigosas -, e a dois companheiros com características e backgrounds muito curiosos, e com quem ele fez amizade instantaneamente: dois novos nomes a se juntarem à já extensa galeria de personagens memoráveis desse universo.

Frank Zhang é um canadense descendente de chineses; grande e forte, mas com cara de bebê, é muitas vezes alvo de chacota entre os companheiros por causa disso, e também por ser um desses desafortunados sujeitos que, por alguma razão que nem a ciência explica, parecem ter duas mãos esquerdas: é desajeitado e desastrado em quase tudo o que faz. A única coisa em que Frank é realmente bom é em arco e flecha, arma que os romanos mais ou menos desprezavam: embora reconhecessem sua utilidade tática no campo de batalha, consideravam-na indigna dos esforços de um cidadão romano, de modo que a deixavam para as tropas auxiliares, recrutadas entre os povos aliados ou conquistados. A mãe de Frank, que era do exército canadense, morreu em ação no Afeganistão há pouco tempo, e ele ainda não foi "reclamado", isto é, seu pai divino ainda não se revelou. Ele tem uma certa esperança de que seja Apolo, o que ao menos lhe daria uma desculpa para preferir o arco. Será?

Opinião parecida à que tinham sobre arqueiros, os romanos também dedicavam à cavalaria: era coisa para bárbaros. Um romano devia ser um legionário, combater na infantaria, com lança, espada e escudo, enfrentando o inimigo homem a homem. Entre outros, esse é mais um fator a gerar identificação entre Frank e sua melhor amiga, Hazel Levesque: ela gosta de cavalos e leva jeito com eles, mas, tal como a de Frank, sua habilidade não é muito valorizada na legião. Hazel é uma garota negra que cresceu em Nova Orleans, onde sua mãe ganhava a vida lendo sortes e vendendo amuletos, até que, de tanto fingir que mexia com as coisas do além, acabou, acidentalmente, invocando o próprio deus dos mortos, Plutão (ou Hades, caso prefiram o nome grego), que, como vocês já devem ter deduzido, viria a ser o pai de sua filha. Isso tudo não aconteceu na Nova Orleans de hoje: Hazel viveu nas décadas de 30 e 40 do século XX, e foi nessa mesma época que morreu, com apenas 13 anos e sob circunstâncias terríveis. Foi trazida de volta há meses apenas, por obra de um meio-irmão seu, que Percy, aliás, conhece bem, ainda que não se lembre no momento. O passado de Hazel esconde um segredo terrível.

Acho que tudo o que posso dizer à guisa de conclusão é que gostaria de ter comentado O Filho de Netuno logo após seu lançamento, pois assim, talvez meu texto pudesse ter servido para atiçar o apetite de alguns fãs que ainda não o tivessem lido. Infelizmente, minha capacidade de ler e comentar é limitada (hehehe!), enquanto a fila de livros aguardando a vez, além de enorme, não cessa de crescer. Em todo caso, se ainda houver algum fã de Riordan que não o tenha lido, sugiro que não perca mais tempo… Na verdade, esse é um bom conselho até para os que (ainda) não são fãs.

terça-feira, junho 11, 2013

O Herói Perdido

Comentei aqui no blog, tempos atrás, que a saga de Percy Jackson e os Olimpianos só tinha um defeito, e era o fato de que teria que acabar uma hora ou outra. E assim foi: depois de apenas cinco volumes, seus numerosos e entusiásticos leitores tiveram que dar adeus às férias no Acampamento Meio-Sangue. O autor, Rick Riordan, tentou explorar novas searas da mitologia nas Crônicas dos Kane, de inspiração egípcia, mas estas, embora de leitura sem dúvida agradável, não conseguiram despertar o mesmo grau de paixão, talvez não por qualquer demérito do tio Rick como narrador, mas apenas porque a mitologia egípcia não tenha a mesma riqueza e dinamismo que a grega, e por isso não se preste tão bem a aventuras heroicas. Riordan agraciou os fãs com Os Arquivos do Semideus, pequeno volume que pode ser considerado um anexo à saga, contendo três aventuras de Percy muito curtas para renderem livros próprios, além de curiosidades, passatempos, supostas entrevistas com vários personagens… Esse tipo de material. A propósito, embora, pelo menos no Brasil, o lançamento de Os Arquivos… tenha sido simultâneo ao do último livro da série, intitulado O Último Olimpiano, a ordem cronológica (Epa! Qualquer coisa que envolva “Cronos” é assunto delicado…) correta para a leitura é colocar Os Arquivos… antes, mais exatamente entre A Batalha do Labirinto e O Último Olimpiano.

Ainda que Os Arquivos do Semideus tenha alegrado os fãs, é claro que estava muito longe de ser suficiente para satisfazê-los: afinal, O Último Olimpiano terminava com uma profecia sobre "sete semideuses atendendo a um chamado", e todo amante de mitologia sabe que é inútil resistir a uma profecia. Sendo assim (Oba!), Riordan está de volta ao universo de Percy Jackson e os Olimpianos com uma nova saga, intitulada Os Heróis do Olimpo.

O Herói Perdido, primeiro volume dessa nova fase, adota uma estratégia narrativa diferente da utilizada na saga anterior, que era narrada sempre em primeira pessoa pelo protagonista Percy. Aqui, a narrativa é em terceira pessoa, mas o ponto de vista varia: cada capítulo traz no início o nome de um dos três personagens centrais - Jason, Piper ou Leo -, e os acontecimentos narrados nele são mostrados segundo os pensamentos e as percepções desse personagem. Também temos acesso a algumas das recordações que cada um deles traz de sua vida pregressa - exceto no caso de Jason, por motivos que veremos.

Jason repentinamente desperta num ônibus escolar, sem ter ideia de como foi parar ali, e em companhia de Piper e Leo, que se dizem respectivamente sua namorada e seu melhor amigo, embora ele não se lembre de alguma vez ter visto qualquer um dos dois antes daquele momento. E isso nem é o pior: tirando o fato de chamar-se Jason, tampouco se lembra de alguma coisa sobre si próprio, não sabe quem é ou de onde veio. O ônibus pertence a uma instituição chamada Escola da Vida Selvagem, para jovens "desajustados", que por motivos diversos não se encaixam em escolas comuns (e, sim, no caso de alguns deles, isso envolve dislexia combinada a transtorno de déficit de atenção e hiperatividade - um quadro que todo leitor de Rick Riordan sabe muito bem o que pode significar), e o destino da excursão é o Grand Canyon, no Arizona. Ao chegarem lá (surpresa!), os estudantes são atacados por perigosos seres míticos - nesse caso, espíritos da tempestade, e, mesmo sem saber como, Jason reconhece na hora o que eles são. Leo e Piper não reconhecem, mas ao menos veem as criaturas, enquanto os outros, com os olhos toldados pela Névoa, só veem uma tempestade. Em rápida sequência, Jason descobre mais três coisas: a primeira é que uma estranha moeda de ouro que traz no bolso pode, em momentos de perigo, transformar-se numa espada; a segunda é que ele próprio possui com essa arma uma habilidade que sugere um talento natural aprimorado por anos de treinamento; e a terceira é que pode, dentro de certos limites, controlar e dirigir os ventos com a força de sua vontade, o que lhe permite até mesmo deslocar-se através do ar, quase como se voasse.

Depois de uma batalha desesperada, na qual ele tem a chance de experimentar essas capacidades recém-descobertas, Jason e seus amigos são surpreendidos pela chegada de uma carruagem voadora, puxada por cavalos alados e transportando um grupo de semideuses liderados por ninguém menos que Annabeth Chase. E Annabeth está aflita com o desaparecimento de seu namorado, Percy Jackson (pois, depois de cinco anos arreliando um com o outro, ela e Percy finalmente se acertaram, o que aconteceu no finalzinho de O Último Olimpiano), seguindo qualquer pista que pareça capaz de ajudar a encontrá-lo. Ela veio ao Grand Canyon porque teve um sonho sugerindo que nesse local encontraria um semideus usando um único calçado, que estaria, de alguma forma, ligado ao sumiço de Percy - e, ao chegar, dá de cara com Jason calçando um só tênis, pois perdeu o outro durante a luta contra os espíritos da tempestade. Quem conhece mitologia reconhecerá a referência à história do herói Jasão (que, em inglês, é Jason), que também foi identificado como o agente de uma profecia por estar usando apenas uma sandália. Jason, Piper e Leo são, então, conduzidos ao Acampamento Meio-Sangue, onde espera-se que ao menos alguns dos mistérios que envolvem o trio possam ser esclarecidos.

Piper McLean é linda, inteligente e um pouco rebelde. De certa forma, está acostumada a ser uma "meio-sangue", pois seu pai, Tristan McLean - um famoso ator de cinema - é um índio cherokee. Da mãe, tudo o que Piper sabe é que era branca e que foi embora pouco tempo depois de seu nascimento. Tristan, que teve uma infância pobre e sem perspectivas numa reserva indígena, acredita estar fazendo o melhor pela filha ao criá-la em meio à riqueza, mas Piper sofre com a frustração mais comum entre os filhos de ricos e famosos, que é a de apenas muito raramente receber alguma atenção ou desfrutar da companhia de seu ocupado e requisitado pai. E, como fazem muitas crianças que vivem essa realidade, ela encontra uma maneira (por mais estúpida que seja) de obrigá-lo a prestar atenção nela. Piper foi diagnosticada com cleptomania, mas seu método é um tanto diferente do usual: em vez de afanar coisas em lojas, ela simplesmente pede aos vendedores - e eles lhe dão. Por alguma razão, a maioria das pessoas acha extremamente difícil negar qualquer coisa que Piper peça, e qualquer ideia, proposta ou sugestão, não importa o quão absurda, passa a parecer convincente quando é ela quem a expõe. Ao que tudo indica, finalmente é chegada a hora de descobrir de quem ela herdou habilidades tão incomuns, mas Piper não tem bem certeza se quer mesmo saber.

Leo Valdez é um hispano-americano de Houston com um cacoete extraordinário para inventar, construir e consertar coisas. Sempre acreditou que devesse isso ao exemplo da mãe, que tinha uma oficina e loja de ferragens, mas parece agora que o talento talvez venha de ambos os lados da família. Desde que perdeu a mãe, num incêndio tão misterioso quanto trágico, aos oito anos de idade, ele já fugiu de uma ampla variedade de instituições e lares adotivos, até chegar à Escola da Vida Selvagem e daí ao Acampamento Meio-Sangue, onde, pela primeira vez na vida, tem um vislumbre do que seria a sensação de pertencer de fato a algum lugar. Além de tudo isso, Leo se debate com um conflito interno sobre o qual nunca desabafou com ninguém: por natureza, é um amigo fiel e dedicado, mas uma parte sua, da qual ele não se orgulha, sente-se incomodada com o eterno papel de coadjuvante que parece ser seu destino, enquanto Jason - o "cara bonito e corajoso" - colhe as glórias. Só o tempo dirá o que pode vir a depender da solução desse conflito.

E Jason… É Jason. Seu passado é um mistério até para ele mesmo. Qualquer olho experiente em reconhecer semideuses identifica-o logo de saída como sendo um, e as habilidades que possui deixam óbvio que foi muito bem treinado, mas, até onde se sabe, o único lugar onde poderia ter recebido esse tipo de treinamento é o próprio Acampamento Meio-Sangue, e ninguém ali o conhece. As únicas possíveis pistas são uma estranha tatuagem em seu antebraço, mostrando a imagem de uma águia e as letras SPQR, e o fato de que ele prefere referir-se aos deuses por seus nomes latinos ao invés dos gregos (para pessoas familiarizadas com as coisas da Antiguidade, isso será suficiente para que comecem a ligar os pontos e a fazer uma ideia de qual pode ser a origem do personagem, mas imagino que, para a maioria dos leitores adolescentes de Riordan, esses indícios só agucem a curiosidade).


No acampamento, fica-se sabendo que a situação é grave. Além do desaparecimento repentino e inexplicado de Percy, tudo o que se tem de concreto é que o Olimpo está "fechado": nenhum dos deuses responde a qualquer tentativa de comunicação, e, a menos que haja um motivo sério para isso, o fato constitui uma violação do acordo que os olimpianos aceitaram ao final da Segunda Guerra dos Titãs (detalhes em O Último Olimpiano), cujo ponto principal era que deveriam parar de ignorar seus filhos mortais. Parece pouco provável que as duas coisas, tendo acontecido simultaneamente, não estejam ligadas de alguma forma. Rachel Dare, o oráculo oficial do acampamento, consegue acrescentar alguns elementos ao quadro. Leo, Jason e Piper são três dos sete meios-sangues de que fala a profecia, e são também os campeões escolhidos pela deusa Hera - rainha do Olimpo, esposa do todo-poderoso Zeus - para libertá-la de um cativeiro onde está sendo mantida por um inimigo misterioso. Assim, eles partem numa missão no dia seguinte ao de sua chegada ao acampamento, mas não sem que seus respectivos progenitores divinos tenham se revelado. O transporte é providenciado por Leo, que consegue encontrar o já lendário dragão mecânico de bronze, construído décadas atrás pelos semideuses do chalé de Hefesto para guardar as divisas do acampamento, mas que agora encontra-se desgovernado vagando pelas florestas, um perigo para os campistas e para transeuntes desavisados (sua história é narrada em mais detalhes na aventura Percy Jackson e o Dragão de Bronze, que está em Os Arquivos do Semideus). Leo, então, consegue localizá-lo, consertá-lo, e até adaptar-lhe um par de asas, que originalmente não possuía, convertendo-o numa poderosa montaria voadora, a bordo da qual ele, Jason e Piper partirão em sua primeira missão.

Uma missão para fã nenhum de Rick Riordan botar defeito. Todos os ingredientes que nos acostumamos a esperar estão lá em fartas doses: referências mitológicas, aventura, humor e surpresas - muitas surpresas. Com algumas novidades importantes: literariamente, Riordan apresenta-se em franca evolução como escritor, oferecendo-nos personagens bem mais complexos, com uma parte psicológica bem mais trabalhada, enquanto, do ponto de vista dos elementos internos da narrativa, o mundo mítico e fantástico do autor ficou muito maior, com um sem-número de novas possibilidades. A edição nacional, de modo geral, está bem cuidada, com alguns pequenos e perdoáveis problemas de português e, pelo que percebi e me lembro, apenas um deslize mais sério: durante uma luta contra um gigante, Jason refere-se si próprio como "protetor da Primeira Legião"… É óbvio que era para ser pretor, mas todos sabemos que há pessoas que, ao se depararem com uma palavra que não conhecem, preferem acreditar que foi erro de grafia e substituí-la por qualquer outra que conheçam e que seja parecida, mesmo que fique totalmente fora de contexto (por que cargas d'água uma legião precisaria de um "protetor"?). Seria tão mais simples e honesto consultar o dicionário… Pessoas assim estão por toda parte - inclusive, infelizmente, nas editoras que publicam o que lemos -, mas isso não vai prejudicar a enorme diversão que espera pelos fãs do tio Rick nessa nova saga, que tem tudo para ser ainda mais empolgante que a anterior.

segunda-feira, junho 28, 2010

A Maldição do Titã

OK, OK, pode parecer meio suspeito que uma série para adolescentes ocupe tanto espaço num blog cujo autor já vai adiantado na casa dos 30 e, para completar, é formado em Letras e um leitor com muitas "horas de voo" e um conhecimento não desprezível dos clássicos da literatura universal, mas não dá para resistir à empolgação de ver que, contra todas as expectativas, surgiu um autor capaz de dar à mitologia grega clássica uma roupagem que a torna assimilável pela garotada de hoje, sem desvirtuá-la! Não é difícil imaginar um dos jovens leitores de Rick Riordan, após terminar este livro, indo para a internet procurar mais informações sobre mitologia ou, ainda melhor, abrindo um daqueles velhos volumes encadernados que juntam poeira na sala de visitas da casa dos avós para saber em mais detalhes quem eram os Titãs, Héracles, Ártemis, Apolo... O que, como já disse e repito, é um dos maiores serviços que um escritor pode prestar à humanidade nos dias de hoje.

A Maldição do Titã é o terceiro volume da série Percy Jackson e os Olimpianos, e, se eu fosse pôr os títulos na ordem em que mais me agradaram, colocaria este em segundo lugar, por não ser tão bom quanto O Ladrão de Raios, mas melhor que O Mar de Monstros. Percy está agora com 14 anos e recebe a missão de ir, com as também meios-sangues Annabeth e Thalia, atender a um chamado de seu velho amigo Grover, o sátiro, que, como já tantas vezes antes, está infiltrado numa escola, como olheiro, para investigar a possível presença de outros filhos de deuses. E ele localizou dois, cuja filiação divina ainda é desconhecida, mas que são obviamente poderosos: Bianca di Angelo, de 12 anos, e seu irmão Nico, de dez. Como não é difícil prever, Percy e seus amigos logo se veem envolvidos numa luta com monstros a fim de tirar os irmãos Di Angelo da escola e levá-los em segurança até o Acampamento Meio-Sangue - mas surgem dois fatos não tão previsíveis: o primeiro é que, prestes a ser derrotado, o quarteto é salvo pela deusa Ártemis e suas Caçadoras virgens, que parecem surgir do nada justamente no momento certo; o segundo é que um monstro, em sua fuga, acaba levando Annabeth consigo.

Essa, aliás, é uma das grandes sacadas do livro: Annabeth não aparece durante a maior parte da história, mas, de certa forma, está presente o tempo todo, já que o fato de saber que ela está em algum lugar, sendo mantida prisioneira pelo inimigo, leva Percy a, pela primeira vez, refletir de verdade sobre a natureza de seus sentimentos por ela. E ele não se sente melhor ao descobrir que Annabeth pensava em juntar-se às Caçadoras de Ártemis - donzelas adolescentes que acompanham a deusa em suas aventuras, ganhando a imortalidade em troca do juramento de renunciarem para sempre ao amor. Esse pensamento nunca é formulado de forma explícita, já que Percy é o narrador da história e Riordan, habilmente, faz com que haja coisas que o jovem herói não admitiria nem perante si próprio, mas é fácil compreender que a questão que mais o tortura é: "Ela faria mesmo isso? Mas... e eu?" Não há como não se solidarizar com sua angústia.

Porém, o sofrimento de Percy parece insignificante diante dos acontecimentos que se desenrolam: fica-se sabendo que o exército de Cronos - o Senhor dos Titãs, que tem a ambição de retomar o poder que os Olimpianos lhe tiraram há milhares de anos - tem um novo comandante, um misterioso "General", sob cujas ordens estão agindo Luke, o filho rebelde de Hermes, um ex-campista do Acampamento Meio-Sangue, e seu bando de monstros e semideuses renegados. Toda essa buona gente está atrás de um monstro em especial, um tão terrível que, dizem as profecias, seria capaz de destruir o Olimpo. Ártemis decide partir sozinha para tentar localizar e liquidar esse monstro antes que os lacaios de Cronos o encontrem - e, como Annabeth, cai nas garras do inimigo. Organiza-se então um grupo de busca misto, formado por campistas e Caçadoras, para partir numa missão de triplo objetivo: resgatar Ártemis, descobrir o monstro da profecia e, se possível, tentar libertar Annabeth.

A presença de Thalia contribui para tornar o convívio do grupo de aventureiros mais complicado, já que, como filha de Zeus, ela tem um gênio um tanto tempestuoso, mas isso é apenas a ponta de um iceberg: em O Mar de Monstros Percy tomou conhecimento de uma profecia que dizia que, quando um meio-sangue, filho de um dos Três Grandes (Zeus, Poseidon ou Hades) completasse 16 anos, ele ou ela teria de tomar uma decisão que poderia salvar o Olimpo ou destruí-lo - e, se o Olimpo for destruído, toda a civilização ocidental vai para o beleléu. O detalhe interessante é que Thalia estava morta na ocasião, de modo que Percy, como o único filho vivo conhecido de um dos Três Grandes, parecia, sem sombra de dúvida, ser a pessoa da profecia. Porém, a partir do momento em que Thalia foi trazida de volta à vida pela magia do Velocino de Ouro, já não há certeza: pode ser ela ou Percy.

A aventura segue a receita já conhecida dos fãs de Rick Riordan: doses de tensão, ação e humor alternadas de forma habilidosa, personagens cativantes, um uso inteligente do potencial infinito de gerar coisas "pitorescas" que existe em misturar a mitologia com o mundo moderno (o deus Apolo retratado como um playboy que guia um Maseratti em vez da tradicional carruagem do Sol é simplesmente impagável!), muitos mistérios a desvendar, e um final surpreendente. O único defeito da saga de Percy Jackson e os Olimpianos é que, mais cedo ou mais tarde, ela terá que acabar...

terça-feira, fevereiro 16, 2010

Percy Jackson e o Ladrão de Raios

É, parece que deixei o blog abandonado por um tempo bem considerável - espero que o começo de ano atribulado que tive (detalhes no Inner Wilderness...) sirva de desculpa. A dimensão exata de todos esses meses sem mexer aqui aparece no fato de que, da última vez que postei um texto, falava sobre O Ladrão de Raios, primeiro volume da série Percy Jackson e os Olimpianos, sendo que agora volto para falar sobre o filme baseado nele. De lá para cá, já li o segundo e o terceiro volumes (O Mar de Monstros e A Maldição do Titã), que não fazem feio ao lado do primeiro: trata-se de uma série empolgante. Fui ver o filme com reservas, como costuma fazer quem já passou inúmeras vezes pela experiência de ler um livro, adorá-lo, e decepcionar-se redondamente ao ver a história transposta para a tela. Felizmente, não foi o que aconteceu desta vez!

Claro que muitas coisas legais do livro foram deixadas de fora para tornar a história mais ágil na tela, mas isso é inevitável - não podemos esquecer que literatura e cinema são linguagens diferentes. Senti falta, especialmente, das aparições dos deuses Dioniso (o mal-humorado diretor do Acampamento Meio-Sangue) e Ares, cuja intervenção durante a primeira aventura de Percy e seus amigos deu origem a vários dos momentos mais emocionantes do livro, isso sem falar da filha de Ares, a encrenqueira e briguenta Clarisse... Porém, gostei da atuação do trio central, formado por jovens atores que eu não me lembro de ter visto antes: Logan Lerman (Percy), Brandon Jackson (Grover) e Alexandra (olha só!!) Daddario (Annabeth - OK, Daddario é linda, mas o livro não diz especificamente que Annabeth é
loira?!). Aliás, esqueci de comentar algo ao falar do livro: Annabeth é tida como filha de Atena, que, de acordo com a mitologia, era uma deusa eternamente virgem; será que ela reconsiderou essa decisão ao longo dos últimos 2500 anos? No mais, parece que os responsáveis pela adaptação optaram por dar um upgrade na idade dos três: de acordo com o livro, Percy teria 12 anos nessa primeira história, Annabeth talvez uns 13, e Grover, se não me engano, 29 - para um sátiro, pré-adolescente também! No filme eles parecem alunos do ensino médio, chegando inclusive a dirigir (nos EUA, pode-se tirar carteira de motorista aos 16 anos). Nos últimos minutos do filme, até chega a parecer que Lerman e Daddario vão finalizar com um beijo "cinematográfico", mas felizmente o ato (que teria estragado completamente a relação ambígua que Percy e Annabeth têm nos livros) não se concretiza, o que deixa a esperança de que a história dos dois seja levada com a sutileza devida nos próximos filmes.

Sendo o filme estrelado por atores iniciantes, é surpreendente a verdadeira constelação de nomes consagrados que aparecem em papéis menores: Kevin McKidd, da magnífica série
Roma, é Poseidon, deus dos mares e pai de Percy, enquanto Zeus é interpretado por Sean Bean, que foi Boromir em O Senhor dos Anéis e Ulisses (Odisseu, se preferirem) no desastroso Troia. Já o Sr. Brunner, o professor cadeirante que depois revela ser na verdade o sábio centauro Quíron, é ninguém menos que Pierce "Bond, James Bond" Brosnan. Até Uma Thurman faz uma aparição como Medusa (!). Tem ainda a não tão consagrada Rosario Dawson, de Alexandre, no papel de Perséfone, esposa do senhor do mundo dos mortos, Hades.

Infelizmente, o filme perpetua um dos equívocos mais persistentes no que se refere à visão que o mundo moderno tem da mitologia grega: a teimosa tendência de identificar esse mundo dos mortos governado por Hades (às vezes, o próprio lugar também é chamado pelo nome do deus: "o Hades") com o inferno tal como concebido pelas três religiões monoteístas. Quando Percy, Grover e Annabeth entram nos domínios de Hades, o que encontram é um mundo cheio de fogo e, mesmo assim, sombrio, habitado por almas desesperançadas... Na verdade, na concepção dos antigos gregos, o Hades, em si mesmo, não era um lugar de castigo - nem tampouco de recompensa: havia, de fato, os Campos Elíseos, onde os mortais de quem os deuses gostavam (é importante frisar isso: os
de quem os deuses gostavam, o que é muito diferente de os bons) gozavam de uma eternidade despreocupada e feliz, e também o Tártaro, onde as almas de grandes criminosos expiavam seus malfeitos, mas essas eram exceções: a vasta maioria dos mortos ia para o Hades simplesmente porque precisava passar a eternidade em algum lugar, mas não recebia prêmio ou castigo de qualquer tipo. E Hades, o deus, aparece no filme como um tirano cruel que chega a se transformar num demônio enorme e flamejante com asas de morcego... Na verdade, a mitologia (e os livros de Rick Riordan) apresentam-no como um soberano severo, sim, mas não maligno, e definitivamente sem nada a ver com o diabo das religiões monoteístas. Porém, a ideia parece estar muito enraizada, e os realizadores do filme a acataram para facilitar a compreensão (mesmo que seja uma compreensão errada) para o público que, em sua maioria, não conhece a mitologia.

Temos que encarar a realidade de que, por mais sucesso que o filme faça (e tem tudo para fazê-lo), a maior parte do público vai vê-lo, divertir-se durante 105 minutos, comer bastante pipoca, comentar com os amigos na saída do cinema, e esquecê-lo; mas mesmo que, de cada cem espectadores, apenas um ou dois fiquem curiosos, vão procurar o livro e o leiam, isso já terá sido um grande serviço prestado por Rick Riordan e pelo diretor Chris Columbus à cultura da humanidade. Porque aí poderá estar nascendo em algumas jovens cabeças do século XXI um interesse renovado pela mitologia e pela cultura clássica em geral, que, quem sabe, ajude a impedir que essa pedra angular da cultura ocidental acabe esquecida, soterrada pelas toneladas de lixo que a indústria cultural (?) de nosso tempo produz e distribui diariamente, e que milhões de pessoas consomem por não terem tido a oportunidade de saber que existem coisas muito melhores.

Para concluir, uma enquete que me veio à cabeça quando fui ver o filme: qual a pior coisa sobre ir ao cinema quando você precisa encarar uma sala de shopping (na eventualidade de você querer ver um filme que dificilmente vai passar nas salas da Casa de Cultura)? 1) Pessoas (geralmente é um casal) que deixam para decidir no guichê da bilheteria qual filme vão ver, aparentemente sem se dar conta de que há uma longa fila atrás delas e de que faltam três minutos para a sessão começar; 2) Pessoas que esquecem de desligar o celular; 3) Pessoas que esquecem de desligar o celular e o
atendem quando o maldito aparelho encasqueta de tocar durante o filme; 4) Sala com corredor de entrada em linha reta: como os funcionários do cinema sempre esquecem a porta aberta, a luz do lado de fora incide direto na tela até alguém se dar conta do problema, o que pode acontecer só depois de um terço do filme já ter rodado. Votem...

segunda-feira, outubro 26, 2009

O Ladrão de Raios

Para usar um dos inícios de frase favoritos do nosso presidente, "nunca antes na história deste país" se viu tamanha enxurrada de lançamentos literários no gênero normalmente chamado "infanto-juvenil", mas que, como se sabe, também agrada aos adultos que gostam de soltar a fantasia quando tiram tempo para ler um livro por prazer. Bem, às vezes agrada. Depende de muitas coisas. De qualquer forma, é fato que nunca se publicou tanto livro de fantasia no Brasil como de alguns anos para cá. Dos melhores aos piores, livros envolvendo magia, grandes aventuras, criaturas fantásticas e, quase sempre, heróis adolescentes, entopem prateleiras e mais prateleiras em quase todas as livrarias onde entro. Como seria de se esperar, essa abundância de oferta tropeça numa certa mesmice: muitas histórias são excessivamente parecidas entre si. Sendo assim, encontrar O Ladrão de Raios, do norte-americano Rick Riordan, é uma bem-vinda brisa de novidade, pois nos oferece algo inesperado e interessante.

Confesso que, ao pegá-lo para olhar pela primeira vez, minha testa se franziu automaticamente ao ver escrito em letras douradas, em sentido transversal à capa, aquele "Percy Jackson e os Olimpianos – Livro Um". Nada errado com Percy Jackson nem com os Olimpianos, e sim com o "livro um"... Outra série?? Porra, se antigamente (e mesmo nem tão antigamente assim) os escritores conseguiam contar boas histórias num único volume, por que raio (ops...) os autores de hoje parecem absolutamente incapazes disso? Agora tudo é, no mínimo, "trilogia"... E, na maioria das vezes, a história não é tão grandiosa que justifique passar do primeiro volume. Na verdade, para não poucas delas, um volume já é demais.

Mas vamos falar de Percy Jackson.

O herói adolescente (Não diga! Sério??) de mais esta série de fantasia tem 12 anos e é um garoto problemático, que sofre de dislexia e distúrbio de déficit de atenção, além de uma acentuada tendência a atrair eventos bizarros e inesperados, que teimam em acontecer nos locais onde ele está. Por conta disso, já foi expulso de cinco escolas – a média é uma por ano. No momento, prestes a concluir a sexta série, Percy está por um fio de ser expulso de mais uma escola, onde, apesar de continuar enfrentando todos os problemas de sempre, fez ao menos um amigo, Grover, além de ter um professor de quem gosta, o cadeirante Sr. Brunner, que ensina latim e cultura clássica (é o cara que eu queria ser quando crescesse...). O drama de Percy é que, por mais que ele tente andar na linha e ser um garoto "comum", as tais coisas estranhas continuam acontecendo independentemente de sua vontade. E quando ele descobrir por quê... Bem, toda a sua vida vai sofrer uma reviravolta.

OK, sei que até aqui não parece haver novidade, está tudo soando meio Harry Potter, não é? O garoto que sempre se sentiu diferente dos outros um dia descobre que é muito mais diferente do que pensava, e tal revelação será seu passaporte para uma vida cheia de aventuras inimagináveis... Mas sosseguem, que a proposta de Riordan não envolve nenhuma escola de magia, nem tampouco um grande bruxo do mal que quer ter de qualquer maneira a cabeça empalhada do jovem herói na parede de sua sala de visitas. Em vez disso, ele levanta a pergunta que está na orelha do livro: "E se os deuses do Olimpo estivessem vivos em pleno século XXI? E se eles ainda se apaixonassem por mortais e tivessem filhos que pudessem se tornar heróis?" Seria o desajustado Percy um semideus como Hércules ou Perseu??

Essas são as linhas gerais do universo da série, onde personagens e criaturas da mitologia clássica aparecem misturados com exemplares típicos da fauna humana das grandes cidades norte-americanas, e a interação de uns com os outros, além de bizarra, é por vezes muito engraçada. É deliciosamente absurdo (em especial para quem já tem um bom conhecimento do universo da mitologia e história gregas, como, modéstia à parte, é o caso deste que escreve estas mal digitadas linhas) ver os elementos daquele universo fascinante se misturarem com as coisas prosaicas do dia-a-dia moderno. Por exemplo, na mitologia, o deus Hermes usava sandálias aladas; neste livro, seus filhos nos dias de hoje usam tênis Nike ou Reebok alados! Sem falar na coisa exótica (para dizer o mínimo) que é ler uma narrativa em que moleques americanos praguejam em grego arcaico.

Creio também que muitos leitores adolescentes irão se identificar com a sensação de inadequação que Percy experimenta, pois parece não pertencer realmente a lugar algum. Quando descobre sua verdadeira natureza, ele é levado para uma espécie de "acampamento de verão" nos arredores de Nova York, onde dezenas de outros jovens semideuses já estão sendo educados e treinados. Lá, tem o privilégio de tomar aulas com o centauro Quíron, famoso mestre de heróis desde os tempos clássicos: na lista de seus ex-alunos figuram nomes como Hércules, Aquiles e outros menos votados. É Quíron quem explica a Percy o significado do fato de os deuses gregos continuarem vivos e atuantes: segundo o velho centauro, eles fazem parte da própria essência e espírito do que conhecemos como civilização ocidental, e existirão enquanto ela existir. São chamados de deuses "gregos" porque foi na Grécia que nossa civilização nasceu, mas habitaram sempre "onde quer que a chama da civilização ardesse mais forte": depois da Grécia, transferiram-se para Roma, e em seguida, durante períodos mais curtos, sempre para o país que mais fortemente representasse, naquele momento histórico, essa mesma civilização ocidental: Espanha, França, Inglaterra... Segundo essa lógica, eles hoje vivem nos Estados Unidos. Bem, o que vocês esperavam? O livro foi escrito por um norte-americano. Política e economicamente, temos que concordar que os Estados Unidos são onde "a chama arde mais forte", agora, culturalmente, isso é no mínimo discutível... Mas passei por cima desse pomo da discórdia (epa) por amor a uma boa história, e estou certo de que vocês podem fazer o mesmo.

E a história propriamente dita (passada a parte de apresentar o herói e esboçar o enredo) começa quando Percy é informado de que o raio-mestre de Zeus, a mais poderosa arma já forjada, foi roubado, e de que o rei dos deuses tem um suspeito – o deus que vem a ser o provável pai de Percy, e que não vou revelar aqui quem é. Zeus exige a devolução do raio até o solstício do verão, e o deus acusado exige um pedido de desculpas até a mesma data. Caso contrário, haverá uma guerra entre os deuses, com consequências desastrosas para o mundo dos mortais. Percy, então, recebe uma missão: ir em busca do verdadeiro ladrão do raio e recuperá-lo antes que o prazo expire. Para isso, terá que atravessar os Estados Unidos – mas não os Estados Unidos que os mortais conhecem, e sim uma versão do país por onde se locomove todo tipo de criatura mítica, algumas das quais poderão ajudá-lo, enquanto outras o matariam com o maior prazer. A explicação que Quíron (perdão: Riordan) dá para o fato de os simples mortais não verem essas criaturas ou qualquer indício de suas atividades é muito interessante:

A Névoa é algo poderoso, Percy. (...) Leia a Ilíada. Está cheia de referências a isso. Sempre que elementos divinos ou monstruosos se misturam com o mundo mortal, eles geram a Névoa, que tolda a visão dos seres humanos. Você verá as coisas exatamente como são, sendo um meio-sangue, mas os seres humanos interpretarão tudo de modo muito diferente. É realmente incrível até que ponto os seres humanos podem ir para adaptar as situações à sua concepção de realidade.

Sim, eu li a Ilíada, e sim, isso está lá! :) Sem falar que conheço muita gente a quem a última frase se aplica com perfeição, sem a necessidade de haver Névoa alguma.

Eu até gostaria de fazer um pouco de pose de grande literato e dizer meramente que achei o livro "agradável, recomendável para um pouco de relax mental" – mas, como sou a favor de reduzir a hipocrisia ao mínimo inevitável, vou dizer a verdade: me irritei com cada coisa que me obrigou a largar este livro antes de terminá-lo, e mal posso esperar pelo segundo volume. Que deve aparecer em breve: conforme me disse o rapaz da livraria, um filme sobre as aventuras de Percy Jackson já está em produção e deve estrear em 2010, o que, somado ao fato de a edição original ter sido publicada nos Estados Unidos em 2005, é sinal de que os livros poderiam ter saído no Brasil bem antes, e estão saindo agora para ir no embalo do filme... Bem, espero ter tempo de ler a série toda antes que os filmes apareçam.