sexta-feira, junho 19, 2020

Manual Politicamente Incorreto da Civilização Ocidental

Caso queira ser chamado de simplório ou de repressor perverso, a maneira mais rápida é reconhecer que o mal realmente existe. No relativismo atual, a única coisa errada é dizer que algo é errado. (Anthony Esolen)

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Não invoco nenhum mérito pessoal nisso (não decorre de nada que eu tenha feito conscientemente – me parece algo natural, como o formato do meu nariz), mas sempre fui atraído pela História, sempre desejei conhecer os fatos do passado, como eles estavam interligados uns com os outros e como influenciavam o presente. Sempre tive a curiosidade de saber como os povos de outros tempos viviam, lutavam e amavam – e, mais importante, saber o que eles amavam e pelo que lutavam. Sempre compreendi a dificuldade, e também a necessidade indispensável, de tentar "pensar com a cabeça da época", em vez de simplesmente aplicar os padrões atuais à realidade de séculos passados, como a maioria das pessoas faz sem perceber. E, sinceramente, não entendo como é que tanta gente vê a História como uma coisa estática, sem vida, tediosa, algo que, até onde lhes importa, se resume a decorar meia dúzia de nomes e datas para fazer uma prova, receber uma nota, e depois esquecer tudo. Tampouco consigo ver sentido naquelas duas frases repetidas à exaustão (e geralmente ditas juntas) por milhões de estudantes e por outros que já não o são há um bom tempo: "Estudar História é uma perda de tempo! Pra que eu vou usar isso?"

Para os poucos que compartilham essa minha vontade de saber por que o mundo e a humanidade são como são, e a quem devemos aquilo que temos e somos (o que traz junto o peso de uma grande responsa sobre os nossos ombros), livros como este são um achado. O autor Anthony Esolen promove nestas páginas uma extensa viagem às raízes do ocidente, além de buscar respostas para as questões que estão na cabeça de todo intelectual que, mesmo nesse desvairado século XXI, ainda insiste em prezar esse legado inestimável de arte, filosofia e princípios que recebemos de nossos antecessores. Dessas questões, a primeira que vem à mente nestes tempos é: a quem interessa a destruição sistemática de todos os valores que serviram de alicerce à nossa civilização – e por quê? Questão essa que levanta imediatamente uma outra: e quando esse mundo, que direta ou indiretamente nos deu tudo o que temos (pelo menos, tudo de bom e digno) estiver definitivamente demolido, ele será substituído… pelo quê? O livro de Esolen também discute possíveis maneiras de resistir, mesmo que nossa resistência seja como a dos poloneses no Levante de Varsóvia: há momentos em que devemos lutar porque essa é a coisa certa a se fazer, mesmo que a esperança de vitória pareça ser nenhuma.

Como sabemos, a Europa, e, por consequência, todo o ocidente, nasceu do tríplice encontro entre a filosofia grega, o direito romano e a fé judaico-cristã, e Esolen faz o percurso lógico, dedicando a cada uma dessas bases um capítulo logo no começo do livro. O mais interessante é que ele não se limita a discorrer sobre a "coisa em si": em vez de focar só na filosofia grega, por exemplo, oferece-nos um painel (bem resumido, é claro) do amadurecimento da civilização helênica, que tornou possível o nascimento dessa filosofia, com copiosas indicações bibliográficas para quem quiser se aprofundar na matéria, embora, infelizmente, a maioria dos livros que ele indica não tenha edição brasileira. Qualquer pessoa com um pingo de cultura sabe que a Grécia antiga foi o berço da democracia, é claro – mas Esolen nos mostra que, por mais que a democracia seja uma coisa magnífica, já naquela época, como hoje, ela, sozinha, não era e não é garantia de nada. Liberdade é um bonito conceito, mas, se entendida simplesmente como "cada um faz o que quer", leva à libertinagem e ao caos. O homem só é verdadeiramente livre quando compreende que a liberdade não vem de graça: ela traz consigo deveres e responsabilidades, e, se ele não se mostrar à altura, desonra-se perante si mesmo e perante seus pares – isso para não mencionar outras consequências piores que o deslustro de sua honra, piores por poderem afetar seus filhos, netos e demais descendentes, caso esse homem livre de que estamos falando falhe em fazer o que tempos de crise exigem dele. Isso explica, por exemplo, o que manteve os soldados de Leônidas, homens livres, firmes em seus postos mesmo diante da morte certa, numa situação na qual os soldados-escravos do rei da Pérsia já teriam debandado, ou o que levava um legionário romano a dar a vida para impedir que o inimigo se apossasse da águia de sua legião. Como Esolen diz em algum lugar, essas civilizações só alcançaram o que alcançaram porque dispunham de homens assim – homens que temiam menos a morte que a desonra. Graças, em grande parte, ao que a Grécia e Roma nos legaram, foi possível construir uma civilização na qual um sacrifício tão drástico raramente é necessário, mas, hoje, cabe a nós lutar outro tipo de batalha. Em nossos dias, a guerra é cultural, o inimigo é ardiloso e sem escrúpulos e, como dizia Thomas Jefferson, o preço da liberdade é a vigilância constante.

Falei em liberdade porque estava pensando em democracia; as duas não são a mesma coisa, é claro, mas estão estreitamente relacionadas, e, assim como a liberdade precisa ser merecida, a democracia traz em si alguns pressupostos: o povo precisa ter um nível mínimo de educação e de virtudes cívicas para estar em condições de fazer bom uso do poder que esse sistema coloca em suas mãos. O que nos deixa (a nós, brasileiros) numa sinuca de bico que não preciso explicar. Bem, vamos adiante.

Boa parte do Manual Politicamente Incorreto da Civilização Ocidental é dedicada a desmontar o mito politicamente correto que pinta a Idade Média como a "idade das trevas" ou até mesmo a "noite dos mil anos" (esta última só pode ter sido cunhada por algum historiador francês, provavelmente filiado ao Iluminismo). A origem desse mito é fácil de entender: a Idade Média foi o período de maior poder e influência da Igreja Católica – portanto, por razões ideológicas, é da mais alta importância para os politicamente corretos que ela tenha sido um período obscurantista e miserável, quase sem nenhum progresso. É claro que essa noção é muito mais antiga que esses movimentos lacradores que hoje tentam com tanto empenho tornar a nossa vida insuportável, mas deve-se àqueles que, poderíamos dizer, foram os ancestrais ideológicos desses movimentos: os iluministas do século XVIII (sempre eles). Esolen nos toma pela mão para um passeio instrutivo no qual mostra que coisas como as catedrais, palácios e até fortalezas militares espalhadas pela Europa são testemunhas de um progresso técnico notável nos campos da engenharia e da arquitetura, o que não teria sido possível numa era culturalmente estagnada; que os primeiros hospitais e universidades surgiram precisamente na Idade Média e por iniciativa da Igreja; que, ainda que as pessoas da época estivessem longe de ter uma vida fácil, ela também não era tão horrível quanto quiseram nos fazer acreditar. O engraçado (ou revoltante, depende de como você escolha encarar) é ver que, à medida que mais e mais descobertas de evidências arqueológicas e documentos históricos vão mostrando, para além de qualquer dúvida, que a Idade Média trouxe muitos e importantes progressos em muitas áreas, a mídia vai mudando seu discurso: diante da impossibilidade de negar que esses progressos aconteceram, ela passa a insinuar que eles foram alcançados apesar da Igreja Católica, e não graças a ela. Não que isso surpreenda a alguém, considerando o habitual modus operandi da mídia e dos grupos que a controlam, e o tipo de opinião que eles tentam plantar na cabeça da população pouco instruída – e, o que é pior, daquela parte da população que teve alguma instrução, mas não enxerga o quão ideológica e enviesada ela foi. O resultado disso, é claro, é que essas pessoas se julgam altamente "críticas" e "conscientes", quando na verdade tudo o que estão fazendo é engolir um discurso que receberam pronto, sem questionar nada, ir atrás da maioria e repetir as opiniões que as deixam "bem na foto".

Você certamente conhece o relato padrão da Renascença. Os plebeus se libertaram da tirania da Igreja, e – recém-libertos – tornaram-se mais felizes e sábios. Grandes artistas, escritores e pensadores, livres para se concentrar em algo além da fé empoeirada, criaram a maior revolução artística, filosófica e cultural já vista pela Europa. A Renascença, em suma, nos é vendida como uma rejeição da Idade Média e o glorioso triunfo do secularismo. (…) Todas essas formulações servem às finalidades de nossos dias. Denigrem a religião, exaltam a modernidade e permitem que os secularistas exijam o crédito pelo florescimento da criatividade. Elas também possuem a virtude da simplicidade. O absurdo também é simples. (p. 166)

Impossível não concordar, até porque a estratégia da mídia não tem muito como fugir da obviedade nesse particular: quando você está tentando vender uma versão tendenciosa, ela não funciona se não for óbvia. Logo, se a Idade Média era ruim por causa da influência da Igreja, a Renascença (e notem como até esse nome já está carregado de ideologia), por ter, alegadamente, rompido com a Idade Média, só podia ser boa. E não se trata aqui de negar as maravilhosas realizações que os artistas desse período alcançaram nos campos das artes plásticas e da música, principalmente, nem os progressos científicos que também ocorreram; afinal, a Renascença nos deu Leonardo da Vinci, que, só ele, já teria bastado para conferir relevância a essa época, mesmo que tivesse sido o seu único expoente importante – e não foi, aliás longe disso. Acontece que essa suposta ruptura com a Idade Média (e, por conseguinte, com a fé cristã) é quase sempre muito exagerada por conta do viés ideológico de quem está contando a história; em muitos casos, se corretamente examinadas, as grandes realizações renascentistas foram muito mais um desenvolvimento natural do que já vinha sendo feito durante a Idade Média do que um grito de independência em relação a ela. Por outro lado, é um engano achar que houve progresso em todas as áreas. Houve o surgimento de muitas obras incríveis, como já dito, nas artes plásticas (pintura, escultura), na música, além de avanços nas ciências naturais etc., mas o que dizer, por exemplo, da filosofia? Na Idade Média tivemos uma vasta e rica tradição filosófica (de base cristã), iniciada por Santo Agostinho e que encontrou sua coroação com São Tomás de Aquino, que conciliou de forma brilhante o pensamento de Aristóteles com a teologia cristã. Na Renascença, o que tivemos? Maquiavel? A comparação fala por si.

(É fato que Santo Agostinho, que viveu de 354 a 430, ainda pertence, cronologicamente, à Antiguidade, mas faz sentido considerá-lo um dos fundadores da filosofia medieval, devido à enorme influência que teve nos séculos seguintes e ao fato de que viveu apenas algumas décadas antes da data tradicionalmente considerada como a da transição da Idade Antiga para a Média, com a queda do Império Romano do Ocidente, no ano 476.)

Vou admitir, por uma questão de honestidade intelectual, que por vezes, ao longo do livro, Esolen parece apoiar-se um pouco demais em sua fé católica para embasar seus pontos – e quem está dizendo isso é também um católico devoto. Se o objetivo do livro é defender as bases da civilização ocidental contra os ataques orquestrados pelos movimentos "progressistas" do nosso tempo, a meu ver o autor deveria fazê-lo de forma que soasse convincente para qualquer leitor, independentemente de sua fé ou da falta dela. Você pode ser um ateu, mas se, acima de tudo, for intelectualmente honesto (e não tiver se rendido à lavagem cerebral da mídia), não deverá ter problema em reconhecer que manter de pé a civilização que a Igreja Católica tornou possível seria benéfico para a humanidade de maneira geral, quer no campo cultural, social ou espiritual (e se você, como ateu, não gostar da palavra espiritual, pode substituí-la por "psicológico"; não é bem o que eu queria dizer, mas me falta palavra melhor – em todo caso, estou me referindo à saúde mental média da população do ocidente). Demolir as bases da nossa cultura e ensinar às novas gerações que não há ordem alguma no universo, muito menos algum sentido, e que o bem e o mal não passam de construções sociais, não vai criar um mundo mais livre e feliz; vai criar um mundo cheio de gente frívola, sem objetivos e com uma enorme tendência à depressão, às drogas e ao suicídio. Isso é algo que deveria ser evidente para qualquer pessoa razoável, fosse ela religiosa ou não. Infelizmente, o mundo sempre esteve em falta de pessoas razoáveis, e hoje não é diferente, com o agravante de que as facilidades de comunicação que a tecnologia trouxe, agora permitem que doidos de toda espécie arrastem para o seu lado multidões de jovens e de pessoas influenciáveis em geral, e que movimentos políticos com intenções escusas se aproveitem disso. Esolen estaria alcançando seus objetivos de forma bem mais eficiente se convencesse seu leitor de tudo isso sem precisar antes fazê-lo compartilhar de suas próprias convicções de fé – mas não o culpo, pois sei o quanto isso é difícil, ainda que os fatos e os exemplos históricos estejam aí à vista de todos, porque a mentalidade progressista já prendeu seus antolhos na cara de muita gente, e removê-los não é tarefa fácil.

A primeira vez que ouvi falar em "politicamente correto" foi durante os anos 90, e não dá para dizer que propriamente tenha ouvido falar; na verdade li sobre o assunto, numa revista (acho que era a Veja, mas não posso dar certeza) que folheava aleatoriamente na casa de alguém ou na sala de espera de um consultório qualquer – não lembro os detalhes. O texto era uma resenha sobre o livro Contos de Fadas Politicamente Corretos, de James Finn Garner (é claro que eu não lembrava o nome do autor também: procurei agora na internet), que, por sua vez, tinha o claro objetivo de ridicularizar a moda que estava então se popularizando nas universidades americanas, consistindo em fazer todo o esforço para purgar a linguagem de qualquer traço de racismo, sexismo, culturalismo, preconceito contra portadores de qualquer tipo de deficiência, e por aí afora… e de tudo o que as cabeças paranoicas e ultrassensíveis dos adeptos dessa ideologia entendessem como sendo qualquer uma dessas coisas, mesmo que o resultado fosse esquisitíssimo e, não raro, ridículo. Na prática, aplicado aos contos de fadas, isso gerou títulos como A Jovem de Origem Caucasiana e Seus Sete Amigos Prejudicados Verticalmente (para quem não entendeu, Branca de Neve e os Sete Anões). Nunca cheguei a ler o próprio livro, mas é fácil imaginar que a reação de quem o lesse seria, muito provavelmente, aquela pretendida pelo autor: dar risada. Naquele tempo, ainda parecia mais ou menos seguro confiar que essa "nova linguagem" seria encarada pela grande maioria das pessoas exatamente como aquilo que era – uma completa idiotice. Só que não era uma idiotice aleatória, e sim dotada de método e objetivo. Em 2020, em meio a notícias a respeito de escolas que estão adotando oficialmente o "gênero neutro" no ensino da língua portuguesa, fica bem mais difícil achar graça em tais coisas. "Politicamente correto", hoje, engloba muito mais que linguagem, virou designação de toda uma mentalidade que basicamente busca realizar o sonho dos marxistas mais radicais de décadas passadas: arrasar por completo a cultura e a sociedade existentes, para construir outras novas sobre as suas ruínas. Para conseguir isso, usa-se a mídia, que manipula informações de modo a moldar a opinião pública da maneira que mais favoreça esse objetivo, e a educação "moderna", que trata de inculcar cada vez mais cedo nas mentes de crianças e jovens a ojeriza a todos os valores tradicionais  (em especial religião e família) e a crença de que não existe bem ou mal, certo ou errado, de que tudo é relativo, maleável, questão de opinião e ponto de vista… E, embora tudo seja questão de opinião, só determinadas opiniões é que são aceitáveis. Agora é possível ver o que havia por trás da tal linguagem politicamente correta que nos arrancava risos há alguns anos: as palavras podem não ter poder sobre a realidade objetiva, mas têm poder sobre as mentes – o que, a longo prazo, vem a dar no mesmo. George Orwell, ao descrever a novilíngua em seu 1984, profetizou o que estamos vendo na prática hoje.

É revelador observar como, nessa nova cultura que tanto insiste em justiça e igualdade, tudo é seletivo, tudo tem dois pesos e duas medidas. O caso da linguagem apenas exemplifica o que acontece em todos os campos. A fala politicamente correta pisa em ovos para não deixar passar nada que possa soar longinquamente ofensivo a qualquer uma das assim chamadas minorias (você deve dizer "afrodescendente", porque “negro”, supostamente, traz conotações pejorativas), mas faz questão de ser o mais brutal e odiosa possível quando se trata de atacar o "outro lado": a expressão para "marido" é "estuprador legalizado". Foram inventadas até palavras e expressões totalmente novas, mas com objetivos óbvios, como "descolonização do corpo", que significa tornar-se lésbica… Porque, segundo o feminismo radical que acolheu de braços abertos a cultura politicamente correta, toda relação heterossexual é um estupro (elas afirmam isso com todas as letras), e, portanto, ser lésbica não é apenas uma característica que algumas pessoas apresentam e que deve ser respeitada: é uma escolha, um ato político – um ato de "libertação". Não podia ser mais evidente a intenção de pulverizar a família tradicional, que costuma ser um empecilho à implantação de regimes totalitários (com uma ou outra exceção, como o nazismo, que conseguiu, de certa forma, instrumentalizá-la). O mesmo com a religião: o “dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, proferido por Jesus Cristo, deixou claro que há espaços na vida do indivíduo, e mesmo da sociedade, nos quais o Estado não deve interferir – ou seja, regimes totalitários são intrinsecamente maus e errados. Não causa surpresa, portanto, que os politicamente corretos de todas as vertentes tenham elegido o cristianismo como inimigo número um e alvo preferencial, e isso apesar de defenderem com tanto zelo (da boca para fora) a liberdade individual. No mundo de hoje, é opinião geral que toda pessoa deve ser livre para professar e praticar qualquer fé – contanto que não seja cristã. É malvisto criticar, ainda que moderadamente, o budismo, o islamismo ou qualquer forma de crença indígena/aborígine (é intolerância!), mas tudo bem dizer qualquer absurdo contra Deus, Jesus ou a Igreja (aí é liberdade de expressão). Há muito, mas muito objetivo por trás de tudo isso. O politicamente correto não é mais (se é que alguma vez o foi) um instrumento para proteger minorias; hoje, ele nada mais é que um meio que movimentos políticos usam para arrebanhar essas minorias – que, em termos de números, são na verdade a maioria – para usar como massa de manobra e, de quebra, calar quem discorda. Muito deste parágrafo e do anterior são observações minhas, aproveitando um ou dois ganchos fornecidos no livro de Esolen.

O capítulo VIII, já próximo do final do livro, intitula-se O Século XIX: o Homem é um Deus; o Homem é uma Besta, e inclui reflexões sobre mais de um ponto interessante. Primeiro, o que lhe dá título – no século XIX, impulsionada pelo romantismo, instaurou-se uma tendência de endeusar a natureza, o que, por sua vez, abriria caminho para a divinização do homem, que ganhou um porta-voz em Friedrich Nietzsche (1844-1900). Não que o romantismo, de maneira geral, fosse particularmente propenso ao ateísmo – muitos de seus expoentes eram cristãos, e mesmo os que não o eram, geralmente cultivavam alguma forma de espiritualidade –, mas a ênfase que ele punha nos sentimentos, no "mundo interior" de cada um, na coisa subjetiva, levou muitos (não todos, nem a maioria, mas muitos) a uma tendência perigosa para o individualismo, e daí para o ateísmo o caminho costuma ser curto. Uma vez que se admita que não há Deus, os próximos passos são previsíveis. O ideal do comportamento humano seria que o simples fato de compreendermos o que é certo e o que é errado fosse suficiente para nos levar a buscar o primeiro e evitar o segundo – porque isso é o correto a se fazer e pronto, sem necessidade de qualquer promessa de recompensa ou de castigo. Mas, repito, isso seria o ideal. Na prática, o ser humano não é assim. Se ele achar que ninguém nunca irá lhe pedir contas do que andou fazendo, quase sempre agirá conforme suas inclinações o inspirarem, fará o que tiver vontade sem se importar com quem prejudica. Ou seja, como escreveu Dostoiévski de forma tão concisa e certeira, "se Deus não existe, tudo é permitido". O homem fica livre (pelo menos, tem a impressão de que isso é liberdade) para agir ao sabor dos impulsos, deixar-se conduzir unicamente por seus instintos. Esolen exemplifica citando certas "comunidades alternativas" que surgiram na Europa no século XIX, nas quais se praticava o assim chamado amor livre. "O homem é um deus, o homem é uma besta (no sentido de animal ou fera); o homem é tudo, menos um homem."

O último capítulo, O Século XX: um Século de Sangue é dedicado a mostrar como as bases do ocidente foram sendo lentamente (ou nem tão lentamente assim) solapadas ao longo do século passado, por muitos e variados meios. A crescente intromissão do Estado na vida do indivíduo levou ao enfraquecimento da autonomia da família e dos laços entre seus membros; hoje em dia, sob o pretexto de proteger as crianças contra abusos, vem-se tirando dos pais, cada vez mais, o direito de dar a seus filhos o tipo de educação que julgarem melhor. A revolta infantiloide da maior parte da comunidade artística contra as convenções "burguesas" da arte clássica mudou as coisas, e, na minha opinião, não foi para melhor: achar que o objetivo da arte deve ser a beleza é considerado agora um ponto de vista míope e atrasado, ou até mesmo elitista – e quem contraria essa corrente é sistematicamente boicotado. O poder que a arte – aí incluídas não apenas as artes plásticas, mas também a literatura, a música e assim por diante – exerce sobre a mente do indivíduo e, por consequência, sobre a sociedade, é subestimado em muitos círculos, mas parece que o grupo dos que se interessam pela implosão da cultura ocidental o conhece muito bem. A análise de Esolen a respeito disso é elucidativa e perturbadora.

Como uma observação final sobre o livro, quero registrar que, tal como no único outro Manual Politicamente Incorreto que já tinha lido (ver aqui), senti o peso de um ponto de vista fortemente norte-americano, em especial quando o autor se alonga por páginas e mais páginas que pouco dizem aos não-estadunidenses, por abordarem a história dos EUA – da qual, sem dúvida, seria útil termos um conhecimento maior – ou aspectos do cotidiano daquele país, muito descolados da nossa realidade. Mesmo assim, o livro é valioso e importante, por acrescentar muitos conhecimentos e fornecer insights aos que desejam fazer a sua parte, por menor que seja, no esforço de resistência contra a demolição sistemática que vem sendo empreendida contra a nossa civilização.