quinta-feira, janeiro 09, 2020

13 Reasons Why

Dramas protagonizados por indivíduos comuns não são bem o tipo de obra que costuma me atrair a atenção; meus gostos inclinam-se muito mais para coisas que me permitem esquecer um pouco a realidade, que, via de regra, consegue a proeza de ser ao mesmo tempo tão complicada e tão pouco interessante. Daí a minha preferência por fantasia, ficção científica, terror, ficção histórica, e, no campo do audiovisual, filmes e séries que transponham para a tela esses mesmos gêneros. Mesmo assim, às vezes é bom aventurar-se com algo diferente, e, xeretando o catálogo da Netflix um dia desses, topei com 13 Reasons Why, sobre a qual já havia lido algo. Decidi dar uma chance à série e não me arrependi.

A adolescência tem seus espinhos e desafios, isso faz parte dela; são coisas que, na maioria, podem parecer bobas se vistas pelos olhos de um adulto, a menos que ele ainda lembre como é ter 15, 16, 17 anos – e um número surpreendente parece não lembrar. OK, há coisas que são mesmo bobagens, e os jovens que hoje dão muita importância a elas provavelmente vão se sentir envergonhados ou rir de si mesmos ao pensarem nisso daqui a 20 anos, mas outras são questões sérias, ao menos para quem as está enfrentando e não tem ainda a experiência e a sabedoria que poderiam torná-las mais fáceis. Seja como for, a maioria de nós, aos trancos e barrancos, acaba superando essas chuvas e trovoadas e seguindo a vida. A maioria, mas nem todos. 13 Reasons Why gira em torno de uma jovem que faz parte da minoria para quem a aventura da adolescência acaba mal. Trata-se de uma obra de ficção, mas inspirada (talvez se possa dizer baseada) em um grande número de casos reais – isso fica claro e aparente, mas infelizmente não encontrei mais detalhes sobre o provável trabalho de pesquisa levado a cabo pelo autor Jay Asher, e que resultou no livro que deu origem à série. No Brasil, esse livro foi publicado como Os 13 Porquês; em Portugal, chama-se Por 13 Razões.

A escola secundária Liberty está de luto, e com ela toda a comunidade da pequena cidade de Evergreen. Hannah Baker (Katherine Langford), aluna do último ano, tirou a própria vida poucas semanas atrás. Ainda em meio à comoção geral, um rapaz de nome Clay Jensen (Dylan Minnette) recebe uma caixa contendo sete fitas cassete, que, como ele descobre, foram gravadas pela própria Hannah e contam o que a levou a fazer o que fez. Cada fita tem 60 minutos, e, com exceção da última, cada uma está gravada de ambos os lados; em cada uma dessas 13 sessões de 30 minutos, Hannah se dirige a uma pessoa diferente, que, segundo ela, contribuiu por meio de seus atos para levá-la ao suicídio.

Sim, vocês leram certo: fitas cassete. Para os colegas de Hannah (e para o resto dessa geração nascida na virada do século), é mais ou menos como se ela tivesse registrado sua história num conjunto de tabletes de argila, utilizando caracteres cuneiformes sumérios. A maioria não tem em casa qualquer aparelho capaz de reproduzir esse tipo de mídia, e muitos nunca nem viram um aparelho desses – um sinal de que ela não estava disposta a facilitar as coisas para aqueles a quem essa mensagem final era dirigida. A garota deixou instruções precisas: a caixa deve ser enviada a essas mesmas pessoas, uma por vez, na mesma ordem em que elas aparecem nas gravações. Quem a recebe deve: 01) ouvir todas as fitas; 02) passá-las ao próximo da lista. Naturalmente, Hannah não tinha como obrigar os destinatários a cumprir a primeira parte, mas a segunda, sim: ela garante que outra cópia das fitas foi deixada com uma pessoa de sua inteira confiança, e que, se alguém quebrar a corrente, essa pessoa levará o material a público, o que será, no mínimo, constrangedor para todos, e poderá causar enormes problemas a um ou dois dos contemplados, que praticaram atos bem mais graves que mero bullying ou espalhar boatos.

Hannah não era natural de Evergreen e era quase uma novata: só estava na escola Liberty desde o início de seu penúltimo ano. Portanto, não tinha grandes amigos, estava um tanto insegura em relação a sua integração social e, embora fosse muito atraente, não desfrutava de nenhuma popularidade notável. Essa questão da "popularidade", por sinal, sempre me intrigou. Qualquer pessoa que assista regularmente a filmes e/ou séries (de qualquer gênero que for) feitos nos EUA, e que retratem o cotidiano daquele país, está mais ou menos a par de como o universo dos adolescentes americanos parece funcionar. Já me perguntei se seria mesmo do jeito que o cinema e a TV mostram, mas, a julgar pela consistência com que o fazem, a resposta parece ser positiva – sem esquecer os livros de Stephen King, principalmente Carrie e Christine, que corroboram isso tudo, e olhem que King foi professor antes de ser escritor, de modo que devia saber do que falava ao escrever esses romances. Eu passei pelo ensino médio, vocês também devem ter passado, então sabemos como é a vida numa escola secundária no Brasil. Há bullying e todo tipo de comportamento estúpido, naturalmente, mas em lugar nenhum vi uma estratificação explícita e rígida como parece existir nas escolas norte-americanas: de um lado o hot people, do outro os losers. Lá, os atletas e as animadoras de torcida; aqui, os aficionados da informática, os jogadores de RPG, o pessoal do clube de xadrez, os nerds em geral. E os dois grupos não se misturam. Os hots, embora possam, em teoria, andar por onde quiserem, certamente não vão jogar RPG nem participar do clube de xadrez, para não mancharem sua imagem – pois, afinal, imagem é tudo. Já os losers não podem andar por onde quiserem: se um deles sentar no lugar errado na lanchonete, apanha. Felizmente, esse estado de coisas parece só durar o tempo que se leva para sair do ensino médio: os nerds que hoje ganham salários de seis dígitos no Vale do Silício devem se divertir lembrando dos atletas bonitões que os oprimiam e humilhavam alguns anos atrás, e que agora estão provavelmente trabalhando em postos de gasolina. De qualquer forma, essa microssociedade das escolas secundárias parece ser sempre mais ou menos igual, e a Liberty não é exceção: também nela há aquele punhado de rapagões musculosos que andam sempre com a jaqueta do uniforme esportivo da escola, pegam as garotas gostosas e adoram tornar um inferno a vida de quem não for da sua tribo.

O espectador acompanha a história pelo ponto de vista de Clay, um garoto que pode ser definido como um tipo intermediário: não é nem um atleta pegador, nem um caso perdido de nerdice. Ele conhecia Hannah de vista, da escola, até os dois começarem a trabalhar juntos no cinema local; a partir daí, tornaram-se mais próximos, e houve um ou dois momentos em que rolou um clima, mas nunca chegaram a namorar ou mesmo a "ficar" propriamente. É fácil ver que Clay era completamente apaixonado pela garota, e que já estava sofrendo antes dela se matar, por achar que tinha "estragado as coisas" de modo irremediável entre os dois – e, o que é pior, sem saber o que tinha feito de errado. Quando Hannah consumou seu ato, acabando com qualquer possibilidade de remediar o que quer que fosse, Clay ficou devastado. Ao ouvir as fitas, ele fica sabendo de detalhes sobre alguns fatos que até então só conhecia em linhas gerais, e descobre outros que ignorava por completo. Essas revelações o abalam e chocam, e ele decide que não poderá descansar nem seguir com sua vida até que certas pessoas respondam pelo que fizeram. Os pais de Hannah (que nada sabem sobre as fitas) já estão movendo um processo contra a escola alegando que houve negligência, que a direção do estabelecimento não prestou a assistência psicológica de que a garota necessitava e tampouco adotou ações para impedir o bullying e outras formas de perseguição. Clay, em princípio, também quer que as coisas sigam a via regular, fazendo tudo ao seu alcance para que os culpados sejam levados à justiça – mas às vezes seu sangue ferve e ele se sente inclinado a tentar fazer justiça com as próprias mãos.

Hannah parecia ser uma jovem de alguma personalidade, que não ligava muito para a tal popularidade – e bem que poderia tê-la conseguido se quisesse, pois, como era bonita, tinha chances de ser selecionada para as animadoras de torcida, mas parece que sua opinião a respeito disso era igual à minha: essa coisa de animadoras é uma idiotice que, no fundo, objetifica e diminui as garotas, ainda que, aos olhos da comunidade estudantil, elas sejam praticamente semideusas, disputadas pelos atletas populares e completamente inacessíveis ao resto dos rapazes. Apesar disso, Hannah não escapa das peças que o coração prega em todos nós e nos adolescentes em particular: acaba apaixonada por um dos tais atletas populares, um rapaz chamado Justin Foley (Brandon Flynn). Os dois têm um encontro no qual o máximo que acontece é um beijo – só que Justin espalha na escola uma versão bem diferente. Esse ato (tão comum) de babaquice teen dá início à marcha da vaca para o brejo na vida de Hannah. Mas haverá muito mais: ela tem a pouca sorte de ser colega também de Tyler Down (Devin Druid), um garoto impopular, tímido e oprimido, com quem o espectador sentiria um impulso de se solidarizar, não fosse por ele ser também um voyeur de carteirinha, que se aproveita de seu trabalho de extensão em fotografia (é uma espécie de fotógrafo oficial da escola) para espionar garotas bonitas e clicá-las nos momentos mais íntimos possíveis. Ele chega ao ponto de descobrir onde Hannah mora e ficar de tocaia, escondido na frente da casa, espionando-a através da janela. Por sinal, a série dá a impressão de que em Evergreen todo mundo faz tudo de janela aberta, e também de que não só espiar, mas até mesmo entrar e sair por uma (sem nunca ser visto) é a coisa mais fácil que existe. Hannah acaba por perceber que está sendo stalkeada e, meio por acaso, conta isso a Courtney Crimsen (Michele Selene Ang), uma garota que ela não conhece muito, mas que acredita ser uma possível amiga, e que se oferece para ajudá-la a dar uma lição no tarado. Courtney parece ter boas intenções, mas há um detalhe: ela gosta de meninas e tem uma queda por Hannah. Na casa desta última, as duas planejam uma armadilha para Tyler, e, nervosas, decidem tomar um gole de alguma coisa surrupiada da adega dos pais de Hannah "para ganhar coragem"; acabam tomando mais que um gole e, já "alegres" demais, trocam uns beijos, completamente esquecidas do paparazzo, que, é claro, aproveita a chance e registra o momento "desinibido" das duas garotas. No dia seguinte suas fotos já estão fazendo sucesso na escola, de modo que, além da fama de garota "fácil", Hannah agora também tem a de bissexual. Logo ela está sendo alvo de abordagens grosseiras por parte de vários rapazes, além de comentários sem noção, tanto de rapazes quanto de garotas. Por mais que ela não ligue para a popularidade, é próprio da adolescência preocupar-se com a opinião do grupo social, e isso tudo vai fazendo-a entrar em parafuso. Esses dois episódios parecem ter sido o gatilho, mas vários outros acontecem (alguns muito, muito piores), quase sempre envolvendo as "pessoas das fitas". Para Clay, ouvir a história de Hannah é uma tortura, e o pior de tudo é o próprio fato de estar incluído na "lista dos 13": o que ele pode ter feito que tenha contribuído para fazer a garota que amava se matar? Por uma ou duas vezes ele pensa estar ouvindo sua própria fita e tem um alívio momentâneo quando, ao continuar, percebe que, na verdade, estas se referem a outras pessoas, mas isso apenas adia a hora de saber qual foi realmente sua participação na tragédia. Querer desesperadamente saber algo, mas, ao mesmo tempo, ter medo da resposta, é uma situação horrível, mas pela qual acho que todo mundo já passou ou ainda passará pelo menos uma vez.

Uma pessoa citada mais de uma vez nas fitas de Hannah é Jessica Davis (Alisha Boe), que, durante algum tempo, foi de fato sua amiga. Jessica, filha de um militar que se muda com frequência por conta do trabalho, também era nova na escola Liberty, e isso serviu para aproximar as duas durante o início do penúltimo ano de ambas. Seu pai é negro, e sua mãe, loira, o que deu a Jessica uma beleza exótica, que chama atenção. Seu primeiro namorado em Evergreen é Alex Standall (Miles Heizer), filho do xerife local e, como Clay, um rapaz "mediano". Alex começa por ser amigo de Jessica e também de Hannah, e os três pegam o costume de se reunir no Monet's, o café badalado do pedaço, para trocar desabafos e risadas. Quando Alex e Jessica começam a namorar e não contam a Hannah, ela se ressente por achar que seus amigos estão lhe escondendo segredos, o que se torna o primeiro fator de afastamento entre ela e Jessica. Mais tarde, esse namoro acaba e Jessica se torna animadora de torcida; não fica claro qual das duas coisas acontece primeiro, mas, conforme as regras sociais rígidas de que falávamos há pouco, daí em diante ela só pode ter como novo namorado um dos atletas – e quem acaba sendo, senão Justin Foley em pessoa? Isso parece ser a pá de cal no que porventura ainda restasse da amizade das duas garotas, e certamente contribuiu para fazer com que Hannah visse o mundo em cores um pouco mais sombrias. Como sempre, quero evitar spoilers, então basta dizer que um dos episódios mais "cabulosos" narrados nas fitas envolve Jessica, Justin e um sujeito chamado Bryce Walker (Justin Prentice), amigo íntimo de Justin e que, além de atleta e popular, é rico; é nítido que, por causa de tudo isso, Bryce se considera o rei da escola, e o pior é que muitos dos outros alunos parecem dispostos a reconhecer-lhe esse status.

Os episódios de 13 Reasons Why são narrados por meio de uma alternância constante entre presente e passado – ora vemos Hannah viva, ora as outras pessoas tendo que lidar com sua morte –, e por isso exige bastante atenção do espectador. Algumas cenas começam um tanto dúbias, mas logo são fornecidos elementos que nos permitem situá-las na linha do tempo. Um recurso engenhoso foi adotado para diferenciar o "Clay de agora" do "Clay de antes": logo depois de receber as fitas, o garoto sofre um acidente com sua bicicleta e leva um corte na testa; daí em diante, sempre que o vemos com um curativo, sabemos que a cena é do presente.

Como costuma acontecer em séries, vários diretores se revezam nos episódios, e, de modo geral, achei que fizeram um trabalho eficiente. A criação para a TV é assinada por um certo Brian Yorkey, que também chefia o time dos produtores executivos, e o próprio Jay Asher figura nos créditos como consultor de produção. O elenco jovem, para mim desconhecido, quase sempre manda bem; já entre os atores nos papéis adultos, é fácil reconhecer figurinhas carimbadas de outras séries, como Amy Hargreaves, de Blindspot, e Josh Hamilton, de American Horror Story, que interpretam a mãe e o pai de Clay, e Mark Pellegrino, que aparece em muitos episódios de Supernatural no papel do diabo, e aqui é o xerife Standall, pai de Alex, entre outras caras conhecidas. Como não li o livro, não posso dar certeza a respeito, mas, pelos comentários que encontrei, o que entendi foi que apenas a primeira temporada de 13 Reasons Why é diretamente baseada nele, e as seguintes são desdobramentos; o que posso dizer é que terminei a primeira e minha opinião é que ela impacta bastante o espectador e dá o que pensar. No momento estou tentando ver a segunda, que se passa cinco meses depois e gira em torno do julgamento do caso levantado pelos pais de Hannah; infelizmente, essa está longe de ter a mesma força, mas ainda é cedo para decidir se continuo ou desisto. Em todo caso, não tenho dúvida em recomendar a primeira temporada, uma obra que fala de provações pelas quais os adolescentes passam, mas que, no fundo, continuam iguais durante toda a vida. Talvez essas provações ganhem versões mais complicadas conforme ficamos mais velhos, e, com sorte e algum juízo, podemos adquirir resistência para enfrentá-las sem ficar com vontade de acabar com tudo como fez Hannah – e como, infelizmente, muitos jovens fazem todos os anos no mundo real – mas, em essência, elas não mudam. O que nos resta é mudarmos nós, para sermos capazes de encarar essas coisas sem permitir que nos levem ao desespero. 13 Reasons Why dá a sua pequena mas importante contribuição.