sexta-feira, junho 23, 2006

Heróis de verdade

Precisamente pelo fato de sempre ter sido um apaixonado por literatura, tenho o costume de passar longe de livros do gênero conhecido como "auto-ajuda" - primeiramente porque, tendo uma razoável experiência como leitor, estou ciente de que existe um sem-número de obras realmente merecedoras de que se dedique tempo à sua leitura, ao passo que a maioria das pessoas não tem essa sorte, e (para empregar uma metáfora) come capim, simplesmente por não ter sido apresentada ao filé mignon. Em segundo lugar, os poucos livros de auto-ajuda que cheguei a ler me permitiram constatar que a maior parte dos títulos do gênero realmente merece o nome, mas não pelo motivo pretendido: são de auto-ajuda porque foram a maneira que o autor encontrou para se auto-ajudar a ganhar dinheiro.

Entretanto, como toda regra tem exceção (inclusive esta), cá estou eu para falar de um livro de auto-ajuda que não só vale a pena ler, como deveria ser objeto de reflexão e discussão séria. Em Heróis de verdade, o psiquiatra Roberto Shinyashiki mostra-nos uma radiografia implacável de uns tantos absurdos que a vida na sociedade moderna acabou fazendo-nos achar normais, e aconselha sobre as atitudes que deveríamos tomar para não entrar nesse jogo.

De forma resumida, o objetivo do livro é nos alertar para o fato de que a mídia tenta constantemente nos vender uma imagem de "sucesso" irreal e por vezes absurda. Somos bombardeados dia após dia com regras, sugestões, exigências e cobranças que podem nos levar ao desespero se tentarmos atendê-las todas: publicidades de todo tipo de gulodices altamente calóricas nos atingem ao mesmo tempo que as de marcas de roupas exigindo corpos perfeitos. Pior ainda, parece que uma pessoa só poderá se considerar "bem-sucedida" se chegar à direção de uma megaempresa, com salário na casa das dezenas de milhares de reais e poder sobre o destino de centenas, milhares de empregados... Conseqüentemente, cria-se a noção de que os 99,9 % da população que jamais chegarão nem perto disso, são nada mais que uma multidão de "fracassados". Essa mentalidade leva a um sentimento generalizado de frustração e a uma atitude de competição destrutiva - de forma totalmente desnecessária e evitável. Ao lado disso, criou-se uma cultura onde o stress é visto como uma espécie de distintivo de honra: as pessoas incham o peito para dizer que não tiram férias há cinco anos, como se isso fosse motivo de orgulho. Lembro-me dos meus tempos de faculdade e de ter ouvido muitos colegas declararem - não em tom de lamento, mas de quem se vangloria - que geralmente não lhes sobrava tempo nem para almoçar direito. Sobre tudo isso, Shinyashiki é categórico: trabalhar 16 horas por dia e levar trabalho para casa no fim de semana não é sinal de dedicação, e muito menos de competência - é meramente coisa de quem sente necessidade de se provar, quer diante dos outros ou de si mesmo. É, em última análise, o mesmo mecanismo que leva muitas pessoas a sentirem necessidade de comprar o carro do ano, apesar de ainda terem um automóvel em perfeitas condições: precisam comprar o carro para mostrar - aos outros e a si - que podem.

Para definir as pessoas que o autor vê como os "heróis de verdade" do título, eu poderia juntar as idéias do livro com algumas considerações pessoais minhas. Um "herói de verdade", então, é alguém que busca progredir em seu trabalho como um caminho para a realização pessoal, e não para provar que não é um "fracassado". Alguém que exerce suas atividades de forma dedicada, mas não permite que isso o impeça de ter uma vida. Que tira seu tempo para ficar com a família, conversar com os amigos, dar um passeio ao ar livre, ler (e não ler o que precisa para o trabalho) sem ficar se sentindo culpado por tê-lo feito. Numa palavra, alguém que não negligencia nenhum dos aspectos do seu próprio ser, sabe combinar uma atitude humilde com uma saudável admiração por si próprio, e procura levar sua vida da melhor maneira possível - quer dizer, da maneira melhor para si, e não da maneira que os outros acreditam ser a melhor. Diante dessa pequena coleção de verdades tão simples, mas por vezes tão difíceis de enxergar, só resta mesmo aplaudir Shinyashiki por ter realizado essa raridade: um livro de auto-ajuda que pode verdadeiramente ajudar alguém.