domingo, janeiro 28, 2024

Internato para Meninas Cruéis

Este foi outro daqueles livros que, mesmo não fazendo parte (bem, aparentemente não fazendo parte) de nenhum dos meus gêneros favoritos, me prenderam a atenção por um motivo ou outro, tanto que resolvi dar-lhes uma chance. E, como por vezes acontece nesses casos, tive boas surpresas: o que parecia à primeira vista ser apenas um relato dramático e um tanto revoltante sobre a adolescência feminina mostrou possuir elementos de uma boa história de suspense, gênero que, para mim (estou sendo totalmente subjetivo, OK?), está ali a meio caminho entre a ficção policial e o terror (que não precisa necessariamente envolver o sobrenatural, embora eu goste mais quando envolve). Tudo bem que a "surpresa" é parcialmente anulada pela sinopse da contracapa, que, afinal, precisava dar ao possível leitor uma noção global do que o livro realmente é, sob pena de que esse leitor largasse a obra julgando ser apenas uma história sobre os sofrimentos de uma garota desajustada no ensino médio. Pois, sim, Internato para Meninas Cruéis é isso – mas não é isso.

O ano é 1991, e Sarah Taylor, de 15 anos, está começando o segundo ano do ensino médio, só que, desta vez, não numa escola pública como aquelas em que sempre estudou até então. Sem que Sarah soubesse, sua mãe pegou um texto que ela escreveu sem pretender que jamais fosse lido por ninguém, e o mandou, junto com uma carta de pedido de bolsa de estudos, para o Internato St. Ambrose para Meninas, uma prestigiosa instituição particular de ensino na Nova Inglaterra, a algumas horas de viagem da cidadezinha melancólica onde as duas vivem. E parece que os dotes de escritora da garota impressionaram as pessoas certas, pois a bolsa foi concedida. Para Sarah, uma garota solitária e problemática apesar da inteligência acima da média, a mudança brusca para um mundo diferente não é uma perspectiva empolgante, embora ficar onde estava também não seja. Em sua cidade, tudo que ela pode esperar depois que terminar a escola é algum emprego maçante e mal remunerado; ela não tem amigos, e sua mãe, Theresa, é uma pessoa bastante vulgar e superficial, com quem Sarah não consegue sentir maior afinidade – mas com uma vontade de elevar o padrão de vida da família, o que a levou a fazer o que fez. A "família", por sinal, são só as duas: Sarah é filha única e Theresa é mãe solteira, com alta rotatividade de namorados. Sobre seu pai, tudo que Sarah sabe é que era um aspirante a roqueiro, o que atiçou os sonhos de vida glamourosa na então jovem Theresa… mas, é claro, a banda do rapaz nunca decolou e a relação dos dois acabou antes que a filha nascesse, ou talvez logo depois – não faz diferença. A vida reles não ajudou Sarah, que, para piorar, sofre de sérios problemas psiquiátricos: bipolaridade, provavelmente combinada com algo mais grave, mas o livro não entra em detalhes. Sua mente tem o péssimo hábito de levá-la a passeios alucinatórios por realidades paralelas sem sua permissão, uma condição que não tem cura, podendo apenas ser controlada mediante medicação. Aos 15 anos, ela já tentou o suicídio por duas vezes.

(Talvez seja oportuno registrar que em 1991 não existia essa modinha de ter problemas psiquiátricos, como hoje. Em 2024, entre os "jovens dinâmicos" da geração Z, se você não puser nos seus perfis nas redes sociais que tem pelo menos depressão ou algum grau de autismo e toma medicamentos controlados, você não é "bacana". [Isso é o mínimo aceitável; se puder colocar que tem algo mais grave ou mais exótico, tipo uma síndrome de Tourette, tanto melhor.] Já naquele início dos anos 90, quem realmente tinha esses problemas fazia de tudo para mantê-los ocultos, para não ser visto pelos outros como maluco ou, na melhor das hipóteses, estranho.)

Que Sarah fosse ter problemas de adaptação, seria de se esperar: ela é uma das poucas estudantes pobres naquele colégio frequentado pelas filhas de algumas das famílias mais abastadas do estado de Massachusetts. Seu vestuário simples (todo preto: ela parece ser meio gótica), a falta de traquejo social e de familiaridade com o modo de vida da classe alta a mantêm à margem, sem fazer qualquer amizade a não ser com sua colega de quarto, Ellen Strotsberry, mais conhecida por "Strots", uma atleta por natureza (mas também uma fumante inveterada já aos 15 anos; certas coisas que hoje nos parecem óbvias não o eram tanto assim naquela época) e evidentemente masculinizada, embora Sarah procure não julgar. Só que os "problemas de adaptação" assumem uma dimensão mais terrível por intervenção de uma certa Margareth "Greta" Stanhope, que ocupa o quarto bem do outro lado do corredor do dormitório, exatamente em frente ao de Sarah e Strots. Greta, para resumir, é aquilo que hoje chamamos de "patricinha", em todos os sentidos, inclusive os piores.

(É verdade que "patricinha" é uma gíria tipicamente brasileira, e que parece ter mudado sutilmente de significado ao longo do tempo. Por coincidência, ela apareceu por volta da mesma época em que esta história é ambientada; eu próprio era adolescente então, e lembro bem de quando começamos a ouvi-la ser usada. "Patricinha", logo que surgiu, era apenas o equivalente feminino de "mauricinho", termo que apareceu primeiro e designava um garoto ou rapaz que andava sempre com o visual da moda e vestia as marcas mais desejadas; tinha um leve tom pejorativo, mas era um pejorativo bem-humorado, e o mesmo acontecia com "patricinha", que, como dito, era a contraparte feminina, a garota que andava sempre produzida e muito bem vestida – e, no começo, a palavra só queria dizer isso mesmo. Por um desses fenômenos da língua que ninguém explica, "mauricinho" teve a sua época e depois caiu em desuso, mas o mesmo não aconteceu com "patricinha", que, além de continuar bem vivo no vocabulário dos jovens, foi ganhando com o tempo um sentido um pouco diferente: ainda queria dizer "garota elegante, normalmente rica", mas também adquiriu uma conotação ruim, como se na verdade significasse "garota que, porque é rica e elegante, se acha melhor que todo mundo, é arrogante e até má". Suponho que a novela teen Malhação, com seu uso repetido sempre dos mesmos estereótipos, tenha algo a ver com essa mudança de acepção.)

Greta, portanto, é a antítese de Sarah: rica, bonita, elegante e fútil. Sua implicância com a novata começa praticamente sem qualquer motivo concreto (como costumam começar as implicâncias, principalmente entre crianças ou adolescentes), e ela logo passa a fazer pequenas maldades – ou melhor, maldades que começam pequenas, mas vão escalando de forma consistente ao longo dos meses seguintes. Como toda vilã paty (pensando bem, como todo vilão adolescente, tanto faz o sexo – vide Draco Malfoy em Harry Potter), ela tem duas "capangas" fiéis, Francesca e Stacia, que seguem cegamente sua "líder" e mostram um potencial para o mal quase tão grande quanto o dela.


Além de Strots, há mais uma pessoa no St. Ambrose que demonstra simpatia para com Sarah. Pelo que pude entender, é costume nos internatos norte-americanos que cada andar dos dormitórios destinados às alunas tenha, além dos quartos delas, um pequeno apartamento que é ocupado por um professor ou professora que fica responsável por "controlar as coisas" por ali; é o "conselheiro residencial", ou apenas "CR". E o CR do andar onde moram Sarah, Strots, Greta e algumas dezenas de outras meninas é o jovem professor Nick Hollis. Nick tem uns 25 anos, ensina inglês e literatura, está se preparando para o doutorado, e é uma espécie de versão americana e moderna de Apolo (agora que escrevi isso, notei que ele de fato lembra muito a descrição de Apolo segundo Rick Riordan): alto, bonito, atlético e "descolado", enfim, o "sonho de consumo" de qualquer garota adolescente, e ainda mais desejável por ser inatingível, já que, além de ele ser casado, é um professor, de modo que qualquer envolvimento que viesse a ter com uma aluna poderia não só custar-lhe o emprego como desembocar num processo judicial. Nick ajuda Sarah quando ela sofre uma de suas crises por ter negligenciado sua medicação, e faz isso com interesse genuíno, não como alguém que está "só fazendo seu trabalho", o que conquista a estima e a confiança da garota, independentemente do "tesão" que ela já tinha nele. Com isso eles se conhecem num nível mais pessoal, Nick passa a admirar a inteligência de Sarah e a gostar da companhia dela, e os dois criam o hábito de se verem regularmente para conversar sobre livros.

Disse acima que Greta começa a implicar com Sarah sem motivo aparente; a antipatia da primeira para com a segunda tem início logo que as duas se conhecem, e vem, no início, simplesmente do fato de que, para Greta, Sarah é uma "ninguém" e está fora de seu lugar, "poluindo" um ambiente que só deveria pertencer à elite. Porém, se fosse só essa antipatia, talvez ela se empenhasse menos em infernizar a colega. A verdade é que algo mais acontece: Sarah começa a suspeitar, por alguns indícios, que Nick e Greta têm um caso – e Greta, a suspeitar que ela sabe. É tudo muito vago e inconclusivo, mas, para Greta, é o suficiente. Suas maldades, que começam discretas, só fazem subir de nível até a situação ficar insustentável.

A autora Jessica Ward parece estar escrevendo sobre coisas que conhece de perto, e, pelo visto, o bullying é algo tão presente em escolas exclusivamente femininas quanto em qualquer escola, embora, claro, seja um tipo diferente de bullying. Meninos são brutos, mas ao menos são francos: o bullying que praticam é claro e direto. Se for para humilhar um colega, você o humilha olhando na cara, e, se for para bater, você bate. Simples assim. Já o bullying feminino é sutil, dissimulado, tortuoso: uma frase dita por uma mulher a outra e que, se ouvida ao acaso por um homem, parecerá um elogio, pode ser na verdade uma farpa cruel, que não deixa de atingir o alvo. É assim entre as mais jovens também. A narração é em primeira pessoa, e há um nítido esforço por parte de Ward para "incorporar" a personagem, procurando escrever tal como Sarah escreveria – ou seja, como uma adolescente de inteligência aguçada e com um talento inato para a literatura, mas, ao mesmo tempo, com uma percepção um tanto curta da realidade, que decorre tanto da pouca idade e experiência quanto de ser uma desajustada desde que consegue se lembrar, e portanto não ter tido acesso a algumas vivências que uma garota "normal" teria conhecido. Sarah chega, por vezes, a ser um tanto cínica, mas embora eu, pessoalmente, não tenha praticamente nenhuma paciência para com o cinismo, fui capaz de dar-lhe um desconto, considerando as coisas pelas quais passou. Trata-se de uma garota com problemas reais – não de alguém que inventa problemas para se sentir especial.

No que se refere à estrutura da história, o componente de suspense vai se anunciando gradualmente, para tomar o primeiro plano durante a última quarta parte do livro, quando as picuinhas adolescentes dão lugar a fatos muito sérios e trágicos, que não detalharei para não dar spoiler. Arrisco a hipótese de que Ward (que, em outras obras, também assina como Jessica Bird ou como J. R. Ward) optou por ambientar sua história no início dos anos 90 para excluir o fator internet, pois várias situações importantes ou interessantes ao longo do livro não soariam plausíveis num mundo onde as adolescentes vivessem online a maior parte do tempo e contassem com possibilidades de comunicação quase ilimitadas. O resultado geral é positivo, com uma combinação de drama, crítica social e suspense que se mostra perfeitamente capaz de proporcionar várias horas de leitura instigante.