Cinco anos se passaram desde a traição de Armínio, que levou três legiões romanas à destruição na floresta de Teutoburgo. Como ele esperava que acontecesse, Roma não fez novas tentativas de estabelecer bases permanentes na margem oriental do Reno, mas fortaleceu suas posições na margem ocidental e, com toda a certeza, não se esqueceu da humilhação sofrida. Armínio esperava por isso também, e, embora ele próprio não possa transpor o rio – se o fizesse, seria um homem morto, em menos tempo do que leva dizê-lo –, não deixou de enviar regularmente espiões, que percorrem as ruas das cidades romanas da Germânia, ouvem a conversa dos legionários nas tabernas, e coisas assim. Graças a isso, ele sabe dos planos do imperador Augusto de tentar retomar o território perdido e punir exemplarmente as tribos que se rebelaram, e está fazendo seus próprios planos para que a "Germânia Livre" esteja preparada quando esse dia chegar, o que agora parece estar muito perto. Nesse período de cinco anos, Armínio tem levado a vida normal de um homem das tribos na Germânia, muito diferente da do oficial romano que ele já foi. Sucedeu ao pai como chefe da tribo dos Cherusci e casou-se com a bela Tusnelda, filha de Segestes – um chefe tribal leal a Roma, que inclusive tentou, inutilmente, alertar o governador Varo sobre a traição planejada por Armínio; como é fácil imaginar, o convívio entre genro e sogro não é dos mais tranquilos. As articulações de Armínio para ampliar seu poder até tornar-se uma espécie de rei (coisa que os germanos, divididos em tribos, nunca tiveram) ainda não deram frutos, mas ele não tem pressa.
Corre o ano 14 d. C. e Augusto ainda é o imperador, mas é agora um homem bastante idoso, tendo governado por mais de 40 anos. Como não tem filhos homens, nomeou como herdeiro o enteado, Tibério, que, também sem descendência masculina, por sua vez adotou o sobrinho Nero Cláudio Druso Germânico, filho de seu falecido irmão de mesmo nome. Germânico, portanto, já era o segundo na linha de sucessão ao trono quando assumiu o cargo de governador da Germânia, terra onde seu pai alcançou glória no campo de batalha e fez jus ao agnomen que lhe legou, embora seja mais correto dizer que o que ele realmente assumiu foi o governo da pequena parte da Germânia que Roma ainda controlava. Sua posse ocorreu no ano 13, mas O Resgate das Águias começa com um prólogo ambientado em 12, quando foi celebrado em Roma um triunfo em honra de Tibério, por suas vitórias na Ilíria. É aí que vamos reencontrar Lúcio Comênio Tulo, o protagonista de Águias em Guerra.
Apesar de seu comportamento heroico durante a malfadada batalha da floresta de Teutoburgo (se é que dá para chamar aquilo de batalha), Tulo, como a maioria dos sobreviventes, caiu em desgraça. No caso dele, isso se deu, principalmente, devido às maquinações de seu desafeto Lúcio Túbero, que também sobreviveu, mas, ao contrário dele, ficou bem na "foto", ocupando agora, aos 22 anos, o posto de legado, comandante de uma legião. Túbero conseguiu que Tulo fosse rebaixado de posto: anteriormente primus pilus de uma coorte, ele é agora um centurião comum, tendo sido realocado na Quinta Legião, junto com os soldados que conseguiu salvar. Muitos de seus novos colegas oficiais o respeitam, mas alguns – em especial os centuriões de patentes superiores à sua – gostam de fazê-lo alvo de chacota porque, de toda uma coorte, só conseguiu salvar 15 homens… Sendo que, se eles soubessem quais eram as condições em Teutoburgo, perceberiam que até mesmo isso foi um feito admirável.
(Para os raros mas obstinados nerds de história militar: a Quinta Legião aí referida é a própria Legio V Alaudae, 'Quinta Legião das Cotovias', em tradução literal. Formada por Júlio César na Gália, em 52 a. C., ela ganhou esse nome por causa dos penachos em estilo gaulês que os soldados usavam nos elmos nos primeiros tempos, e que lembravam o penacho do pássaro. Já seu emblema, um elefante, foi ganho após a batalha de Tapsos, em 46 a. C., na qual a Quinta enfrentou com sucesso uma carga de elefantes de guerra númidas. Não deve ser confundida com a Legio V Macedonica.)
Os historiadores registraram que os romanos que foram capturados vivos pelos germanos na floresta de Teutoburgo, e posteriormente libertados em troca de resgate, ficaram marcados pela desonra, e foram proibidos pelo imperador, sob pena de morte, de pisar na Itália durante o resto de suas vidas. Para seus objetivos literários, o autor Ben Kane estendeu a mesma proibição a todos os sobreviventes de Teutoburgo, mesmo aqueles (poucos) que escaparam sem terem sido capturados, como Tulo e seus homens. Portanto, ele e seu segundo em comando, Marco Fenestela, estão correndo um enorme risco quando decidem ir a Roma assistir ao triunfo – provavelmente o mais grandioso espetáculo que um cidadão romano da época podia esperar ver ao longo de sua vida, algo que, visto na infância, ainda era lembrado e contado na velhice. Esperam não ser reconhecidos por ninguém, mas Germânico, com outros generais, está acompanhando Tibério em seu triunfo…
Um dos motivos para que Germânico seja adorado por seus soldados é sua capacidade de olhar para cada um deles como indivíduo, não como um simples número que engrossa suas tropas, e parece que tal fama é merecida, pois, de seu lugar na procissão triunfal, ele avista Tulo, com quem se encontrou na Germânia anos antes – e o reconhece, mesmo em trajes civis e no meio de uma multidão de espectadores. O mais importante, porém, é que Germânico não o denuncia como "deveria" fazer. Numa conversa que os dois têm mais tarde, ele elogia Tulo pelo que fez em Teutoburgo e diz que precisará de homens como ele para concretizar seu plano de vingar o massacre e recuperar as águias perdidas da Décima Sétima, Décima Oitava e Décima Nona legiões, que caíram nas mãos dos germanos e devem agora estar ornamentando como troféus os salões de diferentes chefes tribais. Para Tulo, que só vive pela esperança de ter a chance de fazer justamente isso, a fim de restaurar sua honra, essa promessa é um presente dos deuses.
E é assim que, dois anos depois, Tulo e Fenestela, assim como o restante dos soldados da Quinta e das outras três legiões locais, estão esperando pela chegada de Germânico. Quando ele por fim chega, entretanto, não pode dedicar-se imediatamente ao plano de punir os germanos e recuperar as águias, tendo primeiro que lidar com uma insurreição entre suas próprias tropas: parte dos soldados estão insatisfeitos por não terem seus soldos reajustados há muitos anos, e pelo fato de alguns deles já terem passado há muito do prazo regular para se reformarem, e mesmo assim não serem dispensados. A coisa já passou do estágio dos protestos verbais: os revoltosos tomaram o controle dos acampamentos e assassinaram vários oficiais contra os quais tinham queixas já antigas – e, é claro, seja qual for o desfecho das negociações, os homens que fizeram isso não podem ser deixados impunes. Isso coloca Tulo, junto com outros oficiais e soldados que se mantiveram leais, numa das situações mais repulsivas que um legionário romano poderia imaginar: a de receber a ordem de matar um camarada. Essa insurreição é histórica, e é mencionada também em Eu, Claudius, Imperador, de Robert Graves, mas aparece com bem mais detalhes aqui, provavelmente porque O Resgate das Águias é narrado sob o ponto de vista de um oficial das legiões da Germânia, que está lá e vê tudo acontecer, enquanto, no livro de Graves, o narrador é Cláudio, irmão de Germânico – um intelectual que mora em Roma, de modo que só sabe do caso através de informações de segunda ou terceira mão. Aquele movimentado ano 14 é marcado, ainda, pela morte de Augusto, sucedido por Tibério, com Germânico precisando esfriar o ânimo de suas legiões, que querem que ele derrube o tio e se faça, ele próprio, imperador.
Superadas todas essas turbulências, Germânico decide aproveitar o desusado bom tempo daquele outono para atravessar o Reno com suas quatro legiões, reforçadas por tropas auxiliares gaulesas e germânicas (das poucas tribos germanas ainda leais a Roma, claro está) e cair sobre um punhado de aldeias habitadas pela tribo dos Marsi, uma das que se juntaram ao exército de Armínio cinco anos antes. Quando as legiões romanas atacavam com ordens para riscar do mapa uma cidade ou aldeia, o procedimento padrão era matar todos os homens; mulheres e crianças normalmente eram poupadas, mesmo que fosse só para passarem o resto da vida como escravas. Desta vez, porém, as ordens são mais duras ainda: ninguém deve sobreviver – ninguém mesmo. A ideia é que fique absolutamente claro que não haverá misericórdia para os que se aliaram a Armínio. A narração do ataque aos Marsi é tanto mais perturbadora por se parecer muito com a do ataque dos Usipeti às aldeias sob proteção romana no livro Águias em Guerra: o leitor fica se perguntando onde foi parar a distinção entre barbárie e civilização, que os romanos pareciam prezar tanto. A verdade é que, como dizia Conan numa história que li certa vez, a guerra nunca é civilizada. É claro que, para Tulo, assim como para qualquer homem decente, a necessidade de chacinar mulheres e crianças é encarada com repugnância… Só que, como em qualquer grupo numeroso, não se pode esperar que todos no exército sejam decentes, de modo que é muito difícil impedir que estupros e outras crueldades desnecessárias aconteçam.
Seja como for, o "recado" é entendido por Armínio, que não perde tempo em, mais uma vez, chamar às armas as tribos germânicas, encorajando-as a deixar temporariamente de lado as rixas que têm umas com as outras para enfrentarem juntas o contra-ataque romano. Para se prepararem, os germanos dispõem do restante do outono, bem como do inverno de 14-15, já que, depois dessa investida rápida contra os Marsi, que estavam mais próximos, os romanos só poderão dar sequência à campanha na primavera.
O que o chefe dos Cherusci não esperava era receber um golpe tão doloroso: uma expedição furtiva liderada por Tulo e por seu próprio irmão, Flavo (que era um dos germanos leais a Roma) consegue penetrar em sua aldeia durante sua ausência, resgatar Segestes, que ele estava mantendo prisioneiro, e, o pior de tudo, raptar Tusnelda, grávida de seu primeiro filho. Por algum tempo, chega a parecer que os romanos vão conseguir exatamente o que esperavam com isso: desestabilizar o chefe germano, levá-lo a agir de forma precipitada e fazer alguma bobagem, mas, depois de se entregar a uma fase de desespero e bebedeira, Armínio se recupera o suficiente para retomar o complicado trabalho de coordenar as tribos para que ajam juntas contra o inimigo. Daí para diante, os capítulos se revezam entre os esforços de Armínio com esse objetivo e a narração da campanha romana, sob o ponto de vista de Tulo. As partes que narram as reuniões de Armínio com outros chefes evidenciam bem aquilo que foi, historicamente falando, a única coisa que o impediu de causar danos ainda maiores ao Império Romano: o zelo quase paranoico com que cada tribo germânica fazia questão de manter sua independência em relação a todas as demais, e a consequente fragilidade de qualquer aliança entre elas. Armínio sabe que é o mais preparado de todos os chefes, porque viveu entre os romanos, foi treinado para ser um oficial do exército imperial, aprendeu suas táticas e seu modo de pensar, mas os outros não gostam nem um pouco de sua tendência a querer mandar em tudo e a agir como se fosse o único ali com capacidade para liderar um exército contra os romanos, embora o seja. Suas ambições reais não passam despercebidas aos olhos de alguns mais perspicazes, que não perdem a oportunidade de lembrá-lo de que, ali, ele é apenas o que seus inimigos romanos chamariam em latim de primus inter pares ('primeiro entre iguais'), e, mesmo isso, somente em caráter provisório. A lealdade de cada chefe nunca pode ser tida como certa, e precisa ser ganha repetidamente, mais vezes por meio de bajulação que de boas ideias ou liderança inspiradora, o que leva Armínio a ter inveja dos generais romanos, que têm assegurada por juramento a obediência de seus soldados e oficiais, sendo que qualquer insubordinação é considerada traição.
O Resgate das Águias não fica devendo nada a Águias em Guerra nos quesitos tensão, ação, atmosfera, reconstituição histórica ou personagens convincentes, provando ser uma sequência perfeitamente condigna para seu antecessor. A Trilogia das Águias de Ben Kane é um prato cheio (e apetitoso!) para os fãs da Antiguidade, mais especificamente do Império Romano, e, mais especificamente ainda, das legiões. Há poucos livros tão bons em fazer você se sentir como se estivesse marchando por um território hostil, com uma cangalha de madeira sobre os ombros contendo 30 quilos de equipamento, um elmo fazendo correr suor pelo seu rosto, e a consciência de estar sendo observado por hordas de bárbaros desgrenhados escondidos no mato, que o matarão com o maior prazer na primeira oportunidade que tiverem. As legiões me fascinam, sem dúvida, mas só como objeto de estudo: não lamento nadinha o fato de não ter feito parte de uma!… Era uma vida dura e brutal. O século XXI tem muitos defeitos, mas também tem vantagens suficientes para que eu prefira estar aqui, confortavelmente instalado na minha poltrona, e apenas ler sobre as façanhas e as provações daqueles bravos soldados. Sendo assim, que bom que temos Ben Kane! Ave atque vale.