quarta-feira, abril 14, 2010

Cerimônias Satânicas


O título deste livro é um exemplo típico de adaptação com objetivos marketeiros, um daqueles casos em que não é ao tradutor que deve ser atribuída a culpa: o pessoal da editora que publicou a obra no Brasil deve ter achado que a tradução direta do título original, que era simplesmente The Ceremonies, não soaria forte o bastante em português (e talvez estivessem certos nesse ponto...) e lascou o "satânicas" para atiçar a curiosidade dos fãs de literatura de terror. Na verdade, não há nada de especificamente satanista no enredo deste excelente romance. Na capa, lê-se uma opinião altamente elogiosa atribuída a ninguém menos que Stephen King! Talvez não haja como checar a autenticidade de tais palavras, mas, ao chegar ao fim do livro, não é difícil acreditar que essa é uma história da qual o "home" teria gostado.

Como em muitos romances do gênero, temos aqui um prólogo enigmático, seguido de um "início da história propriamente dita" aparentemente corriqueiro e inocente. No prólogo, uma "coisa" não nomeada assume o controle da vontade de um menino que a encontra por acaso (será?) ao afastar-se da fazenda onde mora e embrenhar-se na mata, nos Estados Unidos do século XIX, e começa a "instruí-lo"... A natureza dessa "coisa" permanece misteriosa: talvez tenha origem extraterrestre, talvez seja sobrevivente de um passado pré-humano ao estilo Lovecraft, mas nada se sabe com certeza. Em qualquer caso, nada tem a ver com o Satã da tradição judaico-cristã.

No início da história propriamente dita, já "nos dias de hoje" – o que, quando o livro foi escrito, significava algum momento da década de 1980 –, conhecemos Jeremy Freirs, estudante e professor em Nova York, que, às vésperas de completar 30 anos, ganha a vida ministrando cursos livres sobre literatura e cinema, enquanto prepara uma dissertação sobre o romance gótico – é claro que Klein gosta de literatura gótica, e, a bordo dos estudos de Jeremy, demonstra possuir invejáveis conhecimentos nesse campo: reencontrei nas páginas de Cerimônias Satânicas muitos dos autores e livros mencionados por H.P. Lovecraft em seu ensaio O Horror Sobrenatural na Literatura (para mais detalhes, consultem meu texto sobre Contos Fantásticos do Século XIX Escolhidos por Ítalo Calvino), a maioria dos quais, infelizmente, continua inacessível ao público brasileiro. Klein chega a mencionar esse próprio ensaio! Mas desviei-me do assunto.

Jeremy encontra por acaso (?), no mural da biblioteca onde faz suas pesquisas, um anúncio de aluguel de verão colocado por um casal de Gilead, localidade rural não distante de Nova York, e decide passar lá suas férias, aproveitando a tranquilidade do campo para dedicar-se a sua dissertação. O casal, Sarr (que raio de nome é esse?) e Deborah Poroth, como quase todos os moradores do lugarejo, pertence à Confraria do Redentor, uma fictícia seita cristã fundamentalista cujos membros vivem isolados do mundo moderno e ainda guardam muitos preceitos do Velho Testamento há muito considerados ultrapassados pelas denominações cristãs principais (embora Sarr fale desdenhosamente da seita Amish, está na cara que esta foi o modelo direto para Klein criar a Confraria). A mãe de Sarr é uma espécie de Sibila local, cujos poderes proféticos despertam nos membros da comunidade uma mistura de respeito e temor. E ela descende justamente dos Troet, que vêm a ser a família do menino Absolom – aquele possuído pela "coisa" mais de um século antes.

Urdindo tudo, manipulando as pessoas sem que elas percebam, arquitetando cuidadosamente as interações entre elas, está um misterioso "Velho", que, de humano, conserva a aparência e pouco mais – é um servo da "coisa", totalmente dedicado aos misteriosos desígnios dela. Não estou dando spoiler ao revelar que o Velho é o próprio Absolom, já com uns 110 anos de idade ou mais: Klein não diz isso explicitamente até bem avançado o livro, mas qualquer leitor deduziria facilmente o fato. Ele encontra um meio de aproximar Jeremy de Carol, uma jovem que trabalha na biblioteca, e os dois iniciam um romance, mas o Velho tem o maior cuidado no sentido de sabotar qualquer oportunidade que pudessem ter de chegar às "vias de fato" – pois Carol é virgem, e é da máxima importância para os planos do Velho que permaneça assim. Para poder vigiá-la de perto e conseguir que confie nele, apresenta-se no papel de um velhinho bondoso, meio caduco, mas muito culto e viajado, que a contrata como auxiliar de pesquisa para um livro que alega estar escrevendo sobre a origem obscura de certas rimas e brincadeiras infantis, muitas das quais, segundo ele, remontam a rituais pagãos pré-históricos. Aproveitando-se dessa proximidade, o Velho desenvolve com Carol uma espécie de relação de avô e neta, e vai conduzindo os atos da moça na direção que interessa a ele e à força misteriosa à qual ele serve.

Eu chegaria a dizer que o elemento sobrenatural  que, embora magistralmente tratado, ocupa uma parte surpreendentemente pequena do livro – não é o principal em The Ceremonies. A história chama bem mais atenção por suas fugidias mas fascinantes referências a tradições antigas que continuam bem mais presentes no nosso dia-a-dia do que normalmente imaginamos (e bem mais do que muitos de nós gostam de acreditar) e pelo confronto entre visões de mundo diferentes – muitas vezes, dentro de uma mesma cabeça. Sarr Poroth, o jovem fazendeiro, membro fervoroso da Confraria do Redentor, pasmem, já foi estudante universitário fora da comunidade; trata-se de um homem de certa instrução, que voluntariamente renunciou ao mundo da cultura e do conhecimento para dedicar-se ao trabalho da terra (que ele considera "a única ocupação digna" que conhece) e voltar a viver no mundo simples, sem meios-tons, oferecido pela visão fundamentalista de sua seita: Deus está no céu e a Seus servos compete cultivar os Seus campos e louvá-Lo – qualquer coisa que vá além disso é pecado e mal. Uma ojeriza toda especial é reservada pelos Irmãos ao trabalho intelectual, que, na verdade, eles nem mesmo consideram trabalho: ficar sentado lendo e escrevendo, para eles, não passa de um disfarce para o pecado do ócio. Trabalho só é trabalho se deixar um homem suado e extenuado ao final do dia e lhe der calos nas mãos. De modo que Jeremy, trancado em seu anexo na fazenda dos Poroth, lidando o tempo todo com livros e papéis, torna-se alvo de desconfiança e desprezo generalizados na comunidade.

Mesmo assim, Sarr não consegue apagar a marca que o fato de ter tido estudo deixou nele. Uma das passagens mais interessantes do livro é uma na qual todos os seus vizinhos próximos, com as respectivas famílias, comparecem para ajudá-lo no plantio do milho – que é realizado à noite, com muitos toques ritualísticos que os Irmãos não percebem: simplesmente receberam a fórmula por tradição e não lhes parece existir outra maneira de fazer a coisa. A horas tantas (isso também faz parte da tradição), todos interrompem o trabalho e reúnem-se em torno de uma mesa ao ar livre para devorar um gigantesco pão de milho em forma de estrela de cinco pontas, maior que um homem. Enquanto os outros participam alegremente do trabalho e da refeição, sem se questionarem sobre coisa alguma, Sarr, se lembra do que leu na biblioteca da universidade sobre a origem desse costume: a estrela de cinco pontas é uma representação estilizada de um corpo humano, o da vítima sacrificial que outrora era oferecida aos deuses para propiciar uma boa colheita. Inquieta-o um pouco pensar que todos aqueles bons cristãos ali estão, sem saber, participando do que já foi em tempos um sangrento ritual pagão. Ter mais cultura significa ter consciência de muitas coisas que escapam às pessoas sem instrução – e isso nem sempre é agradável: pode, por vezes, ser bem perturbador. Sarr preferiria poder apagar da própria mente muitas coisas que aprendeu e voltar a partilhar a paz da ignorância com seus irmãos de seita, mas isso não está em seu poder. Por causa dessa mesma dualidade, ele é provavelmente o personagem mais complexo do livro, às vezes mostrando-se surpreendentemente inteligente e tolerante em questões religiosas ("A trovoada era uma colisão de moléculas, e também a voz de Deus; ambas deviam ser verdade. [...] Deus atende por muitos nomes diferentes e é adorado de muitas maneiras. Mas Ele é sempre o mesmo Deus. [...] A princípio [...] perturbavam-me as muitas e diferentes formas que Deus podia tomar. Mas, no final, descobri que podia voltar a acreditar com ainda mais fé do que tinha antes, porque consegui compreender que, mesmo quando Ele tinha nomes diferentes, era sempre o mesmo Deus que eu conhecia"), e outras, absurdamente ignorante em relação a essas mesmas questões ("Olhou para sua tia inconsciente [...]. 'Ela vai morrer, se não a levaram para um hospital...' Mas essa providência fora sugestão do demônio [...], remanescente dos anos que ele passara no perverso mundo exterior. Sabia agora que a oração funcionava tão bem quanto os instrumentos de um cirurgião"). Esse é o exemplo mais flagrante, mas de modo algum o único, da característica fascinante que tem The Ceremonies de conseguir oferecer uma multiplicidade de pontos de vista. Os personagens principais parecem ser Jeremy e Carol, mas a cada passagem temos uma visão diferente dos mesmos fatos, através dos olhos de um personagem diferente: além dos dois, também Sarr, Deborah, o Velho (cujos pensamentos são assustadoramente objetivos e desprovidos de emoção) e até figuras de pouca importância como Rochelle, a colega de quarto de Carol, e um ou outro dos Irmãos da Confraria, todos dão a sua versão das coisas.

Klein conseguiu a proeza de escrever um livro que, mesmo tão longo (mais de 600 páginas), não deixa o leitor impaciente em momento algum – não é como em outros livros extensos em que a gente enfrenta algumas partes chatas porque outras são interessantes: aqui, até mesmo o que não é (ou não parece) essencial para a trama tem o seu sabor próprio, e o estilo é sempre agradabilíssimo. Os personagens são convincentes e bem construídos, enfim, são pessoas de verdade, às quais o leitor consegue se afeiçoar, e, embora haja longos trechos com pouquíssimo ou nenhum teor sobrenatural, quando ele aparece, é de uma forma que o leitor dificilmente esquecerá. O destino do mundo está em jogo, e, de certa forma, o próprio fato de isso não ser aparente, nem do conhecimento da maioria dos personagens, aumenta o seu potencial ameaçador, ainda mais porque a tênue esperança que existe está nas mãos de pessoas comuns, que nem mesmo sabem com o que estão lidando.

Não será fácil achá-lo, já que trata-se de uma edição já antiga e, pelo menos até onde sei, não tem sido reimpresso, mas a quem tiver a sorte de encontrar The Ceremonies em seu sebo preferido, aconselho não pensar duas vezes: o pequeno investimento irá render muitas horas de leitura absorvente.

quarta-feira, março 31, 2010

Drácula

Recentemente, no Covil do Orc - um dos blogs que leio com mais frequência, e cujo autor também costuma honrar-me com suas visitas e comentários - li um post a respeito de Drácula, que, como Dom Quixote e um pequeno número de outros, é um daqueles livros sobre os quais todo mundo sabe alguma coisa, até mesmo quem nunca os abriu - e, não raro, até mesmo quem não tem o costume de abrir qualquer livro que seja pode saber algo sobre eles. Se não me falha a memória, isso era parte de uma das definições de "clássico" propostas por Ítalo Calvino. But that's not my point here.

O Orc atribui uma nota vermelha (ops!) a Drácula na avaliação geral, considerando a história como um todo entediante, com os momentos interessantes ou importantes separados uns dos outros por mares de páginas em que meramente são debatidas as questões pessoais dos personagens - e preciso concordar que, de fato, o livro melhoraria com uma boa enxugada. Também é verdade que não é oferecida explicação alguma para a razão pela qual o Conde resolve mudar-se de seu sossegado castelo nos Cárpatos para a agitação e a poluição da Londres vitoriana. Um dos visitantes que deixaram comentários ao texto do amigo Orc diz que teria sido por ter visto uma fotografia de Mina Murray, a noiva do herói (mais ou menos) Jonathan Harker, e nela reconhecido a reencarnação de sua própria noiva, morta há séculos... Na verdade, como bem observado pelo Orc ao responder, isso só aparece no filme (referindo-se, creio, à produção de 1992 dirigida por Francis Ford Coppola), e eu acrescentaria que, mesmo no filme, o fato não constitui explicação para a mudança do Conde: Jonathan, com a foto no bolso, só vai até o castelo de Drácula porque este o chama, interessado que está em comprar uma propriedade em Londres, negócio a ser mediado pela firma onde Harker trabalha. Ou seja, o vampiro já planejava mudar-se antes de saber da existência de Mina.

Sobre o filme, aliás, devo dizer que ele tem muitas qualidades: é visualmente magnífico, tem um roteiro que prende e um punhado de atuações notáveis, destacando-se Gary Oldman como Drácula e Anthony Hopkins, excelente como sempre, no papel de Van Helsing. Já Keanu Reeves, como Jonathan Harker, mostra-se tão expressivo quanto um peixe defumado, mas nada no mundo é perfeito mesmo... Winona Ryder, que interpreta Mina, não atua mal na minha opinião, mas eu, no lugar do diretor, escolheria uma atriz com mais "presença" (leia-se sex appeal) para o papel. Certo, ela passa a maior parte do filme como uma recatada professorinha, mas lá pelas tantas, sob a influência de Drácula, deveria parecer uma vampira sedutora e terrível - e não convence muito como tal. O fato é um pouco compensado pelas aparições breves mas memoráveis de Monica Belucci, ainda não tão famosa na época, mas deslumbrante como sempre, como uma das três servas-vampiras do Conde. E já que estamos falando das figuras femininas, faço um parêntese para assinalar que aquela doida ninfomaníaca que atende pelo nome de Lucy Westenra no filme não tem nada a ver com a delicada e virtuosa personagem homônima do livro!...

Vampiras à parte, talvez a coisa mais legal do filme seja a breve introdução ambientada no século XV, que explica a transformação do príncipe Vlad, de um devotado defensor de seu país e da Igreja Ortodoxa contra os invasores muçulmanos, para um conde vampiro mancomunado com o demo... No livro, Stoker não cita o nome de Vlad, embora ele tenha sido, sem dúvida, sua principal fonte de inspiração: em vez disso, permite ao próprio vampiro dar algumas pistas sobre sua identidade. No castelo, quando Jonathan ainda não sabe que ele é um vampiro, o Conde enaltece os feitos de um suposto "ancestral" que na verdade era ele próprio; mais tarde, já sem nada a esconder, ele gaba-se de ter governado nações e combatido por elas, séculos antes do nascimento dos que agora o veem.



Curiosidade 1: Só notei isso ao rever o filme para escrever este texto, mas o bispo que diz a Vlad que a alma de Elizabeta não poderá ser salva porque ela se suicidou é o próprio Anthony Hopkins, quase irreconhecível com cabelo longo e vastas barbas!


Curiosidade 2: Todos que já ouviram falar no príncipe Vlad Basarab sabem que ele era mais conhecido por seu apelido, Vlad Tepes, que significa Vlad, o Empalador. Era assim chamado por ter uma preferência especial por executar prisioneiros de guerra e desafetos em geral espetando-os em longas estacas. Na introdução do filme, um soldado turco aparece morrendo numa comprida lança que o atravessa do peito às costas - uma versão mais "apresentável", digamos, do que seria o verdadeiro empalamento, de cujos detalhes prefiro poupar meus leitores; basta dizer que era uma forma bem mais demorada, dolorosa, humilhante e chocante de morrer do que essa, tanto que jamais poderia ser mostrada nem mesmo num filme de terror... Pelo menos, não num com um mínimo de bom gosto.


Ao lado de todas essas qualidades, o filme de Coppola tem um grande defeito: é romântico demais. Mina e Drácula vivem uma relação intensa e apaixonada, com o coitado do Jonathan tendo que resignar-se à sina de corno de um morto-vivo... Há uma sequência na qual Mina pede a Drácula que a torne igual a ele, e a dramática resposta é que ele a ama demais para condená-la a uma existência tão miserável: só depois de muita insistência por parte dela é que o vampiro cede. Na parte equivalente do livro, ele simplesmente faz um corte no próprio peito com suas garras e obriga a moça a provar de seu sangue, a fim de consolidar seu domínio sobre ela. Para o Drácula do livro, Mina nada mais é do que uma ferramenta útil. Essa romantização exagerada, a meu ver, não se justifica num filme cuja intenção declarada era a de ser o mais fiel possível à obra original, objetivo esse denunciado já no próprio título, que não é simplesmente Dracula, e sim Bram Stoker's Dracula - Drácula de Bram Stoker! Mas temos que entender o lado de Coppola: Hollywood tem suas regras. Nenhum filme com ambições de alcançar grandes bilheterias pode deixar de ter um romance no meio.


Comentei acima sobre o visual impecável do filme, e o cuidado nesse sentido começou pelo próprio personagem principal: estamos acostumados à imagem de um Drácula de casaca, capa com colarinho alto e cabelo gomalinado - uma figura digna de teatro vaudeville. Isso é culpa de Tod Browning e Bela Lugosi, respectivamente diretor e ator principal de uma versão de Drácula filmada em 1931 e ainda considerada por muitos como a mais clássica, apesar de adulterar a história muito mais que o filme de Coppola (e de eu, pessoalmente, achar Lugosi mais cômico que assustador). Nada poderia estar mais distante da "verdadeira" aparência do Conde, que é descrito por Stoker como tendo cabelos longos e farto bigode - um visual muito mais selvagem e sinistro que o do vampiro-almofadinha encarnado por Lugosi e copiado em dezenas de filmes posteriores. Já Coppola e Gary Oldman optaram por compor a imagem de Drácula seguindo à risca a descrição de seu criador. Ponto para eles. Por outro lado, o diretor e/ou o roteirista parecem ter alguma admiração, apesar de tudo, pelo filme de Browning, pois pelo menos dois detalhes que não estão no livro foram copiados diretamente de um filme para o outro: a foto de Mina e a frase morbidamente zombeteira que o Conde diz ao servir o jantar a Jonathan. Desculpando-se por não acompanhá-lo, ele explica que já jantou e que além disso nunca bebe... vinho, insinuando que o líquido vermelho que lhe agrada ao paladar é outro.


Deixando o filme um pouco de lado e voltando a falar do livro, acho necessário dizer algumas palavras sobre seu autor. Abraham Stoker ("Bram" era um apelido de infância) nasceu em Clontarf, Irlanda, em 1847. Foi um menino débil e adoentado, que passou a maior parte da infância recolhido a um quarto, onde sua mãe, uma apaixonada por narrativas fantásticas, entretinha-o contando as histórias tradicionais do folclore irlandês, desde as mais engraçadas até as mais tenebrosas, o que deixou uma marca indelével na imaginação de Bram. Apesar de seu histórico de doença na infância, ele veio a tornar-se um homem de grande energia, resistência e determinação, trabalhador incansável. Formou-se em Matemática, mas trabalhou durante a maior parte da vida como jornalista e produtor teatral. Casou-se em 1878 com Florence Balcombe, tida e havida como uma das maiores beldades da Grã-Bretanha na época - consta que Stoker teve que disputar a mão dela com o também irlandês e escritor Oscar Wilde, que, como sabemos, não era exatamente "do ramo" (leia-se: preferia a companhia de rapazes), de modo que provavelmente não foi um rival que haja se empenhado muito. Ocorre que Florence não tinha só beleza: era também muito dominadora e uma espécie de pré-feminista, de modo que Stoker não desfrutou de uma vida doméstica das mais tranquilas. Suas heroínas dóceis, quase submissas, e totalmente devotadas aos maridos, poderiam ser uma forma de crítica que o escritor fazia ao gênio difícil de sua própria esposa - o que explicaria a presença, em Drácula, de frases que soam um tanto inverossímeis saídas da boca ou da pena de personagens femininas, como este trecho de uma carta de Lucy para Mina: "Minha cara Mina, por que os homens são tão nobres e nós mulheres nos mostramos tão indignas dessa nobreza?" (!) Acreditar em vampiros é fichinha comparado a acreditar que uma mulher, mesmo no século XIX, pudesse escrever isso!

Stoker escreveu ao todo 17 romances, alguns dos quais tiveram um sucesso discreto, mas Drácula, o oitavo pela ordem, não foi um deles: passou quase despercebido na época. O autor morreu em Londres, em 1912. Ah: caso estejam achando sem graça a capa do livro no início deste post, saibam que ela é histórica: trata-se da capa da primeira edição de Drácula, de 1897, da qual resta hoje apenas um punhado de exemplares. O que foi fotografado para esta imagem está no Museu dos Escritores, em Dublin.

Um comentário do Orc que achei brilhante foi que o método de narração escolhido por Stoker - o de não ter um narrador fixo, mas contar a história por meio de trechos de cartas e diários escritos por diferentes personagens - poderia ter rendido magnificamente, se explorado com mais habilidade. De fato, concordo: Stoker não consegue "vestir a pele" dos personagens, nota-se que o tom e o ponto de vista são sempre os mesmos, quer o texto seja atribuído a um funcionário de escritório de advocacia, a um médico ou a uma adolescente. Por outro lado, não dá para negar que ele fez um trabalho admirável ao compilar e organizar num todo coerente a vasta e caótica quantidade de informações que colheu sobre o mito do vampiro, partindo do folclore rural de seu próprio país, para ir descobrindo lendas sobre seres semelhantes entre quase todos os povos do globo - sendo que os habitantes da Romênia, sem a menor dúvida, falavam de vampiros com maior riqueza de detalhes, convicção e pavor que qualquer outro povo. Embora hoje desgastada pelo uso excessivo, a fórmula criada por Stoker foi durante muito tempo um dos mais interessantes materiais de que escritores de horror e fantasia dispunham para trabalhar. E Stoker fez ainda mais: mesmo sem nunca ter visitado pessoalmente a Romênia, encheu seu livro com ricas e pormenorizadas descrições de suas paisagens, geografia e de suas diferentes etnias, descrições essas que todos os estudiosos são unânimes em considerar cem por cento corretas - tudo fruto de milhares de horas de minuciosa pesquisa na biblioteca do Museu Britânico.

Curiosidade 3: Ao ler o livro pela primeira vez, alguns anos atrás, tive uma surpresa ao ver que o Conde realmente se transforma em morcego, o que eu julgava ser mais uma invenção dos filmes. Explico: a conexão entre vampiros e morcegos é relativamente recente - para ser mais exato, é posterior à colonização das Américas, pois só nas Américas Central e do Sul é que foram descobertos os famosos morcegos hematófagos (sugadores de sangue). Os morcegos da Europa não passam de inofensivos comedores de insetos, de modo que ninguém pensou em relacioná-los ao folclore vampírico. Nas lendas mais antigas, dizia-se que os vampiros costumavam assumir a forma de lobos (o que Drácula também faz), gatos ou pássaros, mas parece que Stoker gostou da novidade e adotou o morcego.

Um ponto interessante do livro (e que o filme, por dispor do recurso da imagem, potencializa) são os sinais de modernidade espalhados por toda parte e que, se o leitor tentar pensar com a cabeça da época, constituem, misturados ao mero fato da existência dos vampiros, um contraste bizarro. Jonathan viaja para a Transilvânia a bordo de sofisticados trens a vapor, Mina escreve seu diário usando uma máquina datilográfica, enquanto o Dr. Seward registra o seu por meio de um gravador de bobina e pede a ajuda de Van Helsing via telégrafo... Que diabos, estes são tempos modernos, científicos, pleno final do século XIX! Num mundo onde existe tudo isso, como ainda pode haver lugar para "superstições" como o vampirismo? A ideia de horrores antigos e mistérios sobrenaturais se perpetuando no tempo, sem se importar com todo o progresso que a humanidade acredita ter alcançado, contribui com sua dose de implicações sinistras.

Tenho que admitir, há duas coisas em Drácula que são realmente duras de aguentar: o discurso "edificante" e repetitivo de alguns personagens sobre sua "missão sagrada de livrar o mundo de semelhante monstro" (Van Helsing é o pior nesse quesito) e, o que chega a ser ainda mais chato, a interminável "rasgação de seda" entre os protagonistas, que não perdem uma só oportunidade de dizer uns aos outros o quanto são pessoas extraordinárias e cheias de qualidades admiráveis - e nunca o fazem da forma mais sucinta possível: não raro, essa mútua puxação de saco ocupa uma página inteira, quebrando o ritmo e o clima, o que é ainda mais prejudicial numa história de terror do que numa de qualquer outro tipo. Mas há compensações: os primeiros capítulos, com Jonathan aprisionado no castelo de Drácula e aos poucos descobrindo a inacreditável verdade sobre seu anfitrião; a descrição, pelo olho clínico do Dr. Seward, dos sintomas da loucura de seu paciente Sr. Renfield e as ligações sutis entre os atos deste último e os do Conde; a narrativa arrepiante da libertação final da alma de Lucy mediante a destruição de sua forma vampírica por seu noivo Arthur e Van Helsing; a terrível cena em que Drácula transforma Mina em sua escrava ao forçá-la a beber seu sangue após ter sugado o dela; e, é claro, a tensa e implacável perseguição do Conde pelo grupo de heróis através dos ermos da Romênia, são, todas elas, cenas que dificilmente perderão o lugar de destaque que ocupam há mais de cem anos nos anais da ficção de horror.

Minha conclusão: Drácula certamente não é candidato a um lugar na lista das dez maiores obras da literatura universal, mas, com os defeitos que possa ter (e tem), segue sendo a melhor história de vampiros a que já fui apresentado. E nestes tempos de Crepúsculo, redescobrir a obra de Bram Stoker pode ter o mérito adicional de nos dar um vislumbre do que era a figura do vampiro antes de sua atual "pasteurização" - quando rostos pálidos e presas longas verdadeiramente metiam medo, e figuravam nos pesadelos de gerações inteiras.

terça-feira, fevereiro 16, 2010

Percy Jackson e o Ladrão de Raios

É, parece que deixei o blog abandonado por um tempo bem considerável - espero que o começo de ano atribulado que tive (detalhes no Inner Wilderness...) sirva de desculpa. A dimensão exata de todos esses meses sem mexer aqui aparece no fato de que, da última vez que postei um texto, falava sobre O Ladrão de Raios, primeiro volume da série Percy Jackson e os Olimpianos, sendo que agora volto para falar sobre o filme baseado nele. De lá para cá, já li o segundo e o terceiro volumes (O Mar de Monstros e A Maldição do Titã), que não fazem feio ao lado do primeiro: trata-se de uma série empolgante. Fui ver o filme com reservas, como costuma fazer quem já passou inúmeras vezes pela experiência de ler um livro, adorá-lo, e decepcionar-se redondamente ao ver a história transposta para a tela. Felizmente, não foi o que aconteceu desta vez!

Claro que muitas coisas legais do livro foram deixadas de fora para tornar a história mais ágil na tela, mas isso é inevitável - não podemos esquecer que literatura e cinema são linguagens diferentes. Senti falta, especialmente, das aparições dos deuses Dioniso (o mal-humorado diretor do Acampamento Meio-Sangue) e Ares, cuja intervenção durante a primeira aventura de Percy e seus amigos deu origem a vários dos momentos mais emocionantes do livro, isso sem falar da filha de Ares, a encrenqueira e briguenta Clarisse... Porém, gostei da atuação do trio central, formado por jovens atores que eu não me lembro de ter visto antes: Logan Lerman (Percy), Brandon Jackson (Grover) e Alexandra (olha só!!) Daddario (Annabeth - OK, Daddario é linda, mas o livro não diz especificamente que Annabeth é
loira?!). Aliás, esqueci de comentar algo ao falar do livro: Annabeth é tida como filha de Atena, que, de acordo com a mitologia, era uma deusa eternamente virgem; será que ela reconsiderou essa decisão ao longo dos últimos 2500 anos? No mais, parece que os responsáveis pela adaptação optaram por dar um upgrade na idade dos três: de acordo com o livro, Percy teria 12 anos nessa primeira história, Annabeth talvez uns 13, e Grover, se não me engano, 29 - para um sátiro, pré-adolescente também! No filme eles parecem alunos do ensino médio, chegando inclusive a dirigir (nos EUA, pode-se tirar carteira de motorista aos 16 anos). Nos últimos minutos do filme, até chega a parecer que Lerman e Daddario vão finalizar com um beijo "cinematográfico", mas felizmente o ato (que teria estragado completamente a relação ambígua que Percy e Annabeth têm nos livros) não se concretiza, o que deixa a esperança de que a história dos dois seja levada com a sutileza devida nos próximos filmes.

Sendo o filme estrelado por atores iniciantes, é surpreendente a verdadeira constelação de nomes consagrados que aparecem em papéis menores: Kevin McKidd, da magnífica série
Roma, é Poseidon, deus dos mares e pai de Percy, enquanto Zeus é interpretado por Sean Bean, que foi Boromir em O Senhor dos Anéis e Ulisses (Odisseu, se preferirem) no desastroso Troia. Já o Sr. Brunner, o professor cadeirante que depois revela ser na verdade o sábio centauro Quíron, é ninguém menos que Pierce "Bond, James Bond" Brosnan. Até Uma Thurman faz uma aparição como Medusa (!). Tem ainda a não tão consagrada Rosario Dawson, de Alexandre, no papel de Perséfone, esposa do senhor do mundo dos mortos, Hades.

Infelizmente, o filme perpetua um dos equívocos mais persistentes no que se refere à visão que o mundo moderno tem da mitologia grega: a teimosa tendência de identificar esse mundo dos mortos governado por Hades (às vezes, o próprio lugar também é chamado pelo nome do deus: "o Hades") com o inferno tal como concebido pelas três religiões monoteístas. Quando Percy, Grover e Annabeth entram nos domínios de Hades, o que encontram é um mundo cheio de fogo e, mesmo assim, sombrio, habitado por almas desesperançadas... Na verdade, na concepção dos antigos gregos, o Hades, em si mesmo, não era um lugar de castigo - nem tampouco de recompensa: havia, de fato, os Campos Elíseos, onde os mortais de quem os deuses gostavam (é importante frisar isso: os
de quem os deuses gostavam, o que é muito diferente de os bons) gozavam de uma eternidade despreocupada e feliz, e também o Tártaro, onde as almas de grandes criminosos expiavam seus malfeitos, mas essas eram exceções: a vasta maioria dos mortos ia para o Hades simplesmente porque precisava passar a eternidade em algum lugar, mas não recebia prêmio ou castigo de qualquer tipo. E Hades, o deus, aparece no filme como um tirano cruel que chega a se transformar num demônio enorme e flamejante com asas de morcego... Na verdade, a mitologia (e os livros de Rick Riordan) apresentam-no como um soberano severo, sim, mas não maligno, e definitivamente sem nada a ver com o diabo das religiões monoteístas. Porém, a ideia parece estar muito enraizada, e os realizadores do filme a acataram para facilitar a compreensão (mesmo que seja uma compreensão errada) para o público que, em sua maioria, não conhece a mitologia.

Temos que encarar a realidade de que, por mais sucesso que o filme faça (e tem tudo para fazê-lo), a maior parte do público vai vê-lo, divertir-se durante 105 minutos, comer bastante pipoca, comentar com os amigos na saída do cinema, e esquecê-lo; mas mesmo que, de cada cem espectadores, apenas um ou dois fiquem curiosos, vão procurar o livro e o leiam, isso já terá sido um grande serviço prestado por Rick Riordan e pelo diretor Chris Columbus à cultura da humanidade. Porque aí poderá estar nascendo em algumas jovens cabeças do século XXI um interesse renovado pela mitologia e pela cultura clássica em geral, que, quem sabe, ajude a impedir que essa pedra angular da cultura ocidental acabe esquecida, soterrada pelas toneladas de lixo que a indústria cultural (?) de nosso tempo produz e distribui diariamente, e que milhões de pessoas consomem por não terem tido a oportunidade de saber que existem coisas muito melhores.

Para concluir, uma enquete que me veio à cabeça quando fui ver o filme: qual a pior coisa sobre ir ao cinema quando você precisa encarar uma sala de shopping (na eventualidade de você querer ver um filme que dificilmente vai passar nas salas da Casa de Cultura)? 1) Pessoas (geralmente é um casal) que deixam para decidir no guichê da bilheteria qual filme vão ver, aparentemente sem se dar conta de que há uma longa fila atrás delas e de que faltam três minutos para a sessão começar; 2) Pessoas que esquecem de desligar o celular; 3) Pessoas que esquecem de desligar o celular e o
atendem quando o maldito aparelho encasqueta de tocar durante o filme; 4) Sala com corredor de entrada em linha reta: como os funcionários do cinema sempre esquecem a porta aberta, a luz do lado de fora incide direto na tela até alguém se dar conta do problema, o que pode acontecer só depois de um terço do filme já ter rodado. Votem...

segunda-feira, outubro 26, 2009

O Ladrão de Raios

Para usar um dos inícios de frase favoritos do nosso presidente, "nunca antes na história deste país" se viu tamanha enxurrada de lançamentos literários no gênero normalmente chamado "infanto-juvenil", mas que, como se sabe, também agrada aos adultos que gostam de soltar a fantasia quando tiram tempo para ler um livro por prazer. Bem, às vezes agrada. Depende de muitas coisas. De qualquer forma, é fato que nunca se publicou tanto livro de fantasia no Brasil como de alguns anos para cá. Dos melhores aos piores, livros envolvendo magia, grandes aventuras, criaturas fantásticas e, quase sempre, heróis adolescentes, entopem prateleiras e mais prateleiras em quase todas as livrarias onde entro. Como seria de se esperar, essa abundância de oferta tropeça numa certa mesmice: muitas histórias são excessivamente parecidas entre si. Sendo assim, encontrar O Ladrão de Raios, do norte-americano Rick Riordan, é uma bem-vinda brisa de novidade, pois nos oferece algo inesperado e interessante.

Confesso que, ao pegá-lo para olhar pela primeira vez, minha testa se franziu automaticamente ao ver escrito em letras douradas, em sentido transversal à capa, aquele "Percy Jackson e os Olimpianos – Livro Um". Nada errado com Percy Jackson nem com os Olimpianos, e sim com o "livro um"... Outra série?? Porra, se antigamente (e mesmo nem tão antigamente assim) os escritores conseguiam contar boas histórias num único volume, por que raio (ops...) os autores de hoje parecem absolutamente incapazes disso? Agora tudo é, no mínimo, "trilogia"... E, na maioria das vezes, a história não é tão grandiosa que justifique passar do primeiro volume. Na verdade, para não poucas delas, um volume já é demais.

Mas vamos falar de Percy Jackson.

O herói adolescente (Não diga! Sério??) de mais esta série de fantasia tem 12 anos e é um garoto problemático, que sofre de dislexia e distúrbio de déficit de atenção, além de uma acentuada tendência a atrair eventos bizarros e inesperados, que teimam em acontecer nos locais onde ele está. Por conta disso, já foi expulso de cinco escolas – a média é uma por ano. No momento, prestes a concluir a sexta série, Percy está por um fio de ser expulso de mais uma escola, onde, apesar de continuar enfrentando todos os problemas de sempre, fez ao menos um amigo, Grover, além de ter um professor de quem gosta, o cadeirante Sr. Brunner, que ensina latim e cultura clássica (é o cara que eu queria ser quando crescesse...). O drama de Percy é que, por mais que ele tente andar na linha e ser um garoto "comum", as tais coisas estranhas continuam acontecendo independentemente de sua vontade. E quando ele descobrir por quê... Bem, toda a sua vida vai sofrer uma reviravolta.

OK, sei que até aqui não parece haver novidade, está tudo soando meio Harry Potter, não é? O garoto que sempre se sentiu diferente dos outros um dia descobre que é muito mais diferente do que pensava, e tal revelação será seu passaporte para uma vida cheia de aventuras inimagináveis... Mas sosseguem, que a proposta de Riordan não envolve nenhuma escola de magia, nem tampouco um grande bruxo do mal que quer ter de qualquer maneira a cabeça empalhada do jovem herói na parede de sua sala de visitas. Em vez disso, ele levanta a pergunta que está na orelha do livro: "E se os deuses do Olimpo estivessem vivos em pleno século XXI? E se eles ainda se apaixonassem por mortais e tivessem filhos que pudessem se tornar heróis?" Seria o desajustado Percy um semideus como Hércules ou Perseu??

Essas são as linhas gerais do universo da série, onde personagens e criaturas da mitologia clássica aparecem misturados com exemplares típicos da fauna humana das grandes cidades norte-americanas, e a interação de uns com os outros, além de bizarra, é por vezes muito engraçada. É deliciosamente absurdo (em especial para quem já tem um bom conhecimento do universo da mitologia e história gregas, como, modéstia à parte, é o caso deste que escreve estas mal digitadas linhas) ver os elementos daquele universo fascinante se misturarem com as coisas prosaicas do dia-a-dia moderno. Por exemplo, na mitologia, o deus Hermes usava sandálias aladas; neste livro, seus filhos nos dias de hoje usam tênis Nike ou Reebok alados! Sem falar na coisa exótica (para dizer o mínimo) que é ler uma narrativa em que moleques americanos praguejam em grego arcaico.

Creio também que muitos leitores adolescentes irão se identificar com a sensação de inadequação que Percy experimenta, pois parece não pertencer realmente a lugar algum. Quando descobre sua verdadeira natureza, ele é levado para uma espécie de "acampamento de verão" nos arredores de Nova York, onde dezenas de outros jovens semideuses já estão sendo educados e treinados. Lá, tem o privilégio de tomar aulas com o centauro Quíron, famoso mestre de heróis desde os tempos clássicos: na lista de seus ex-alunos figuram nomes como Hércules, Aquiles e outros menos votados. É Quíron quem explica a Percy o significado do fato de os deuses gregos continuarem vivos e atuantes: segundo o velho centauro, eles fazem parte da própria essência e espírito do que conhecemos como civilização ocidental, e existirão enquanto ela existir. São chamados de deuses "gregos" porque foi na Grécia que nossa civilização nasceu, mas habitaram sempre "onde quer que a chama da civilização ardesse mais forte": depois da Grécia, transferiram-se para Roma, e em seguida, durante períodos mais curtos, sempre para o país que mais fortemente representasse, naquele momento histórico, essa mesma civilização ocidental: Espanha, França, Inglaterra... Segundo essa lógica, eles hoje vivem nos Estados Unidos. Bem, o que vocês esperavam? O livro foi escrito por um norte-americano. Política e economicamente, temos que concordar que os Estados Unidos são onde "a chama arde mais forte", agora, culturalmente, isso é no mínimo discutível... Mas passei por cima desse pomo da discórdia (epa) por amor a uma boa história, e estou certo de que vocês podem fazer o mesmo.

E a história propriamente dita (passada a parte de apresentar o herói e esboçar o enredo) começa quando Percy é informado de que o raio-mestre de Zeus, a mais poderosa arma já forjada, foi roubado, e de que o rei dos deuses tem um suspeito – o deus que vem a ser o provável pai de Percy, e que não vou revelar aqui quem é. Zeus exige a devolução do raio até o solstício do verão, e o deus acusado exige um pedido de desculpas até a mesma data. Caso contrário, haverá uma guerra entre os deuses, com consequências desastrosas para o mundo dos mortais. Percy, então, recebe uma missão: ir em busca do verdadeiro ladrão do raio e recuperá-lo antes que o prazo expire. Para isso, terá que atravessar os Estados Unidos – mas não os Estados Unidos que os mortais conhecem, e sim uma versão do país por onde se locomove todo tipo de criatura mítica, algumas das quais poderão ajudá-lo, enquanto outras o matariam com o maior prazer. A explicação que Quíron (perdão: Riordan) dá para o fato de os simples mortais não verem essas criaturas ou qualquer indício de suas atividades é muito interessante:

A Névoa é algo poderoso, Percy. (...) Leia a Ilíada. Está cheia de referências a isso. Sempre que elementos divinos ou monstruosos se misturam com o mundo mortal, eles geram a Névoa, que tolda a visão dos seres humanos. Você verá as coisas exatamente como são, sendo um meio-sangue, mas os seres humanos interpretarão tudo de modo muito diferente. É realmente incrível até que ponto os seres humanos podem ir para adaptar as situações à sua concepção de realidade.

Sim, eu li a Ilíada, e sim, isso está lá! :) Sem falar que conheço muita gente a quem a última frase se aplica com perfeição, sem a necessidade de haver Névoa alguma.

Eu até gostaria de fazer um pouco de pose de grande literato e dizer meramente que achei o livro "agradável, recomendável para um pouco de relax mental" – mas, como sou a favor de reduzir a hipocrisia ao mínimo inevitável, vou dizer a verdade: me irritei com cada coisa que me obrigou a largar este livro antes de terminá-lo, e mal posso esperar pelo segundo volume. Que deve aparecer em breve: conforme me disse o rapaz da livraria, um filme sobre as aventuras de Percy Jackson já está em produção e deve estrear em 2010, o que, somado ao fato de a edição original ter sido publicada nos Estados Unidos em 2005, é sinal de que os livros poderiam ter saído no Brasil bem antes, e estão saindo agora para ir no embalo do filme... Bem, espero ter tempo de ler a série toda antes que os filmes apareçam.

domingo, setembro 27, 2009

O Culto do Amador

Qualquer pessoa que já haja experimentado manter comigo alguma conversação de pelo menos 15 minutos sobre temas culturais (como é o caso de todos os leitores deste blog - toda a meia dúzia, quero dizer) já me ouviu esbravejar ardorosamente contra o que considero uma das maiores pragas da modernidade: aquilo que chamo de fragmentação do conhecimento, fruto de uma supervalorização da especialização, que, por sua vez, é fruto dos antolhos que o mundo capitalista pós-moderno prendeu na cara do cidadão mediano do fim do século XX, início do XXI. Em bom português, a ideia geral é que você não precisa (e, para muitos, nem deve) conhecer, saber ou se interessar por coisa alguma que não tenha diretamente a ver com sua profissão ou área de atuação: se você é um técnico em informática, não tem que saber nada de biologia, se você é um administrador, não deve perder tempo com literatura, se você é um advogado, não deve se ocupar de nada que não seja jurídico, e por aí afora. Para mim, isso é a receita mais garantida para criar uma multidão de pessoas burras (diploma e sucesso profissional não são antídoto contra a burrice, nunca foram), rasas, tapadas, desumanas e materialistas. Mesmo que eu esteja sozinho no mundo, sem ninguém que compartilhe de tal opinião, continuo acreditando que devemos saber um pouco de tudo, sim: não necessariamente ser um multi-homem como Leonardo da Vinci, mas saber uma infinidade de pequenas e grandes coisas sobre os mais variados assuntos, saber o que é fotossíntese, quem foi Péricles, no que acreditam os muçulmanos, onde fica o deserto de Gobi, o que são placas tectônicas, como se sopra vidro, como os samurais obtinham a liga de aço que lhes permitia fabricar as melhores espadas do mundo, saber que baleia não é peixe, saber o que é o teorema de Pitágoras, saber qual a função dos metais semicondutores na eletrônica... SABER! Não importa se esses conhecimentos irão lhe ser "úteis" algum dia ou não: saber, simplesmente (parafraseando Ítalo Calvino) porque saber é melhor que não saber. É preciso conhecer muitas coisas, sobre muitos assuntos diferentes, para chegar a alguma percepção - nunca à percepção completa - de que todas as áreas do conhecimento humano estão interligadas, de que todas as ciências e artes interagem e se interpenetram, de que tudo faz parte de um grande todo. Estou convencido de que o único motivo porque algumas pessoas são curiosas e sedentas de saber, enquanto outras são apáticas e não se interessam por coisa alguma, é que as primeiras compreenderam isso, e as outras não.

Ocorre que o "jogo" (na falta de palavra melhor...) do conhecimento tem ainda outra particularidade tão fascinante quanto aflitiva: toda moeda tem dois lados. Este livro de Andrew Keen me mostrou esse fato na prática. Tendo sido um figurão dentro de mais de uma grande empresa norte-americana de internet, Keen não apenas testemunhou a assim chamada "revolução da informação" nos anos 90, mas ajudou a fazê-la. Agora, nos anos 2000, alarmado com os rumos que a coisa tomou, escreveu este livro para chamar a atenção para o grande problema deste mundo onde temos toda a informação que desejarmos sempre à mão, acessível com poucos cliques: quem é que garante a qualidade dessa informação? Essa já era uma das grandes questões relacionadas à internet desde que ela se popularizou e passou a ser acessível a muita gente, e tornou-se ainda mais crucial nos dias de hoje, quando literalmente qualquer um pode escrever e publicar qualquer coisa que deseje.

Não se trata de questionar o princípio da liberdade de expressão, e não mudei de ideia sobre o bem que faz à mente humana interessar-se por muitas coisas diferentes, mas é preciso reconhecer que algo está errado quando não se faz mais distinção entre boato e realidade, entre opinião e fato, entre amador e especialista. Eu me irrito com a conversa de executivos que são totalmente analfabetos sobre qualquer outra coisa que não seja o mundo "business", mas reconheço a importância do que fazem e jamais me meteria a entender mais que eles sobre esse mundo, assim como consideraria ridículo que um deles pretendesse saber mais que eu sobre língua ou literatura. O que me distingue desses executivos é apenas que, enquanto eles não sabem nem querem saber nada que não se relacione ao seu campo profissional, eu, embora tenha estudado e me formado em língua e literatura, não me contento em viver num mundo onde só exista isso: quero conhecer física, química, biologia, ocultismo, matemática, zoologia, medicina, geografia, história, religião, arte, filosofia e (por que não?) também economia e administração, ou seja, "business"... Não me tornarei um expert em nenhuma dessas disciplinas como o sou (espero) em língua e literatura, mas, poxa, eu quero saber! Saber, sem perder de vista que você tem que estudar uma coisa durante longos anos se quiser ser algo mais que um curioso sobre ela. Quando um especialista em qualquer um desses campos estiver falando, eu humildemente murcharei a minha orelha. Isso requer apenas bom senso.

Bom senso esse que, como nos mostra Keen, anda em falta no mundo pós-revolução da informação: qualquer pessoa, por menos credenciais que tenha, pode discorrer sobre qualquer assunto, e 99% dos eventuais leitores irão atribuir ao material produzido por essas pessoas sem credenciais o mesmo peso que aos trabalhos de doutores na matéria, simplesmente por não terem maturidade intelectual para separar o que merece credibilidade do que não merece. Na verdade, talvez a maioria dos leitores-internautas dê mais valor ao que é escrito por amadores, por ser mais próximo do seu nível de entendimento e de seus pontos de vista como leigos - ainda que o que está sendo dito seja uma asneira digna de participante de reality show.

Tudo o que escrevi até agora pode ser assim resumido: um sujeito contentar-se em ser especialista em algo e pensar que não precisa saber mais nada é ruim, mas muito pior é não saber nada e pensar que pode falar como um especialista - e vira uma calamidade se houver outras pessoas ainda mais desinformadas que o aceitem como se fosse um.



Infelizmente, o que não falta neste mundo - ou nestes mundos: o real e o virtual - é gente desinformada.

Keen prossegue seu raciocínio mostrando que há muito mais em jogo do que apenas a qualidade da informação que estamos digerindo e assimilando: o desenfreado faça-você-mesmo da internet dos anos 2000 está aterrando o fosso que sempre separou o palco da plateia, gerando uma oferta torrencial de conteúdo gratuito criado pelos próprios usuários, e que, por ser gratuito, está usurpando o mercado que sempre pertenceu a profissionais ou empresas que se dedicavam a produzir esse conteúdo - e que, por só fazerem isso, podiam especializar-se e atingir a excelência em seus respectivos campos. Se a visão (muitas vezes tola e desinformada) de um sujeito que durante o dia trabalha em qualquer outra coisa e posta textos num site depois do jantar, vale para o público o mesmo que a de um jornalista profissional com décadas de experiência, por quanto tempo ainda será compensador para um jornal ou uma emissora de TV continuar pagando um salário a esse jornalista? O oba-oba dos downloads gratuitos de música destruiu a indústria fonográfica, que atualmente está em seus estertores (não vou bancar o único inocente e dizer que nunca baixei música da internet: só posso dizer em meu favor que não parei de comprar CDs por causa disso). Sem gravadoras, quem irá investir dinheiro e trabalho em descobrir e alavancar novos talentos musicais? E quanto tempo levará para que a indústria do cinema e a do livro tenham o mesmo destino? Conclusão: o atual modelo de utilização da internet está promovendo o fim das próprias fontes de conteúdo das quais depende.

Um velho adágio existente em várias línguas diz que o que vem fácil, vai fácil; embora tenha sido criado para referir-se a dinheiro, ele é igualmente verdadeiro no que toca ao conhecimento. Quando eu e as pessoas da minha geração frequentávamos a escola, um trabalho de história, por exemplo, demandava horas na biblioteca, pesquisando em enciclopédias - ao contrário da maioria dos colegas, eu gostava disso, mas não vem ao caso: gostando ou não, o próprio esforço despendido em encontrar e processar as informações de que precisávamos fazia com que ao menos uma parte daquilo tudo se cristalizasse em nossos cérebros em formação, de modo que sei até hoje quem foram Maurício de Nassau e o padre Anchieta; já os estudantes de hoje, tudo o que precisam fazer é acessar o Google ou o Yahoo! e digitar no mecanismo de busca o tema do trabalho, para instantaneamente terem dezenas ou centenas de textos prontos à disposição. Aí temos que perguntar: o que essa garotada está realmente aprendendo? Alguns anos atrás, essa suprema facilidade para se obter informação era o sonho de quem desejava um mundo onde a cultura estivesse ao alcance de todos; hoje, quando muitos professores se veem obrigados a proibir seus alunos de entregar trabalhos impressos, tendo que exigir que sejam manuscritos, para tentar evitar que eles simplesmente imprimam qualquer coisa achada na internet e entreguem sem ler, somos forçados a reconhecer que parece ter havido algum desvio no caminho trilhado entre o sonho e sua transformação em realidade.

Talvez o maior exemplo do "culto do amador" na era da internet seja a famigerada Wikipédia, a "enciclopédia livre que todos podem editar" - que ostenta esse slogan com orgulho, como se conhecimento fosse uma questão de democracia. E não é: sinto muito, mas não é. Nas enciclopédias tradicionais, podemos ter a certeza de que as informações que encontraremos serão fidedignas: o verbete sobre o padre Anchieta foi escrito por um historiador, o sobre José Saramago, por um doutor em Letras, o sobre dicotiledôneas, por um botânico, o sobre vulcões, por um geólogo, e assim por diante. Naturalmente que todo esse pessoal não é infalível, mas são eles os que, por todo o estudo e experiência que acumularam, têm maiores possibilidades de deter informação correta sobre seus respectivos campos. Na Wikipédia, por tudo o que se sabe, qualquer verbete pode ter sido escrito por um adolescente de bermudão e boné de beisebol virado para trás, já que ninguém lhe pediu credenciais mesmo. Conforme conta Keen:

"O dr. William Connolley, um modelador climático no British Antarctic Survey em Cambridge, especialista em aquecimento global e autor de muitas publicações profissionais, recentemente entrou em confronto direto com um editor da Wikipédia particularmente agressivo em torno do verbete 'aquecimento global' do site. Após tentar corrigir imprecisões que percebera no verbete, foi acusado de 'impor fortemente seu ponto de vista, com a remoção sistemática de todo ponto de vista que não coincidia com o seu'. Connolley, que não estava impondo nada além da precisão factual, foi submetido a restrições editoriais pela Wikipédia e limitado a fazer apenas uma adição por dia. Quando contestou a decisão, o comitê de arbitragem da Wikipédia não deu nenhum peso à sua expertise, tratando-o, um especialista internacional em aquecimento global, com a mesma deferência e atribuindo-lhe o mesmo nível de credibilidade que a seu adversário anônimo – o qual, pelo que se sabia, podia ser um pinguim na folha de pagamento da Exxon Mobil." (pp. 44-5)

Exxon Mobil é uma grande companhia petrolífera norte-americana, que, é claro, não deve ter entre suas prioridades a correta informação da opinião pública sobre a questão do aquecimento global.

Esse excerto ilustra o quanto a distinção entre fato e opinião torna-se a cada dia mais nebulosa nessa nova cultura que está se formando entre as malhas da "rede". "Pontos de vista", meus amigos, não têm o poder de mudar fatos, mas parece que, no mundo da cultura pós-moderna, ninguém sabe ou se importa com isso. Dar a mesma importância às palavras de um especialista e às de um diletante sem qualquer instrução formal na matéria que se mete a discutir, é reconhecer que estamos pouco ligando para a qualidade da informação que consumimos.

Disse acima que conhecimento não é uma questão de democracia. Explico-me: não quero com isso dizer que ele não deve ser democratizado - ele deve, claro, ser democratizado, no sentido de estar acessível a todos, e para isso a internet poderia (eu disse poderia) ser uma ferramenta maravilhosa. Porém, a veracidade de um fato não depende da "opinião" de uma ou de milhões de pessoas, e não deveria ser tratada como se dependesse, que é o que vem acontecendo na sociedade pós-revolução da informação. Há assuntos onde existe espaço para opiniões divergentes; em outros não. Num fórum sobre telenovelas, um participante pode declarar que acha Caminho das Índias ridícula, enquanto outro pode considerá-la uma obra definitiva da teledramaturgia brasileira - cada um tem suas razões para pensar como pensa, e, concordando ou não, devemos respeitar essas razões. Mas, se em vez de telenovela o assunto em pauta for de natureza científica, como no caso do Dr. Connolley versus o "pinguim", aí não se pode dar-se ao luxo de entrar no terreno do "eu acho". Em ciência não existem "opiniões": existem teorias, que, para adquirirem o status de fatos, precisam ser provadas.

Percebo que me foquei na questão que mais me chamou a atenção no livro, porque isso tudo me fez repensar a minha velha antipatia a priori pela noção de especialista, o que significou a necessidade de remodelar diversas ideias que eu tinha há bastante tempo, mas Keen não para por aí. Ele dedica um capítulo todo ao desmoronamento da indústria da música graças à pirataria digital, outro ao perigo do jogo de azar online (potencialmente ainda mais pernicioso que o jogo tradicional em cassinos, por estar acessível 24 horas por dia e a partir de qualquer lugar), e outro, ainda, aos males causados pelo livre acesso de crianças e adolescentes à pornografia na rede (já que nenhum controle parental é cem por cento seguro, e na maioria dos sites a única exigência feita ao usuário é clicar num botão que diz "sou maior de 18 anos"...). O capítulo final chama-se Soluções, e tem exatamente o conteúdo que o título sugere, mas, sem querer ser muito apocalíptico, a maior parte das saídas propostas por Keen para os problemas discutidos nos capítulos anteriores soa-me um tanto ingênua: algumas passam pela adaptação da legislação existente e pela criação de uma nova, capaz de ser aplicável ao meio amorfo e em constante mutação que é a internet - o que, concordo, é da maior importância -, mas a maior parte das soluções sugeridas parecem depender de que o público em geral caia em si e mude de atitude - uma circunstância que tenho dificuldade em acreditar que se concretize. Historicamente, situações extremas somente foram revertidas após terem chegado ao ponto de ruptura - e não me perguntem o que pode representar o "ponto de ruptura" para um mundo onde uma gorda fatia do dinheiro e toda a informação passam por uma internet que lembra muito o Velho Oeste sem lei. Mas uma coisa é possível dizer: ao contrário do que acontece com os grandes problemas ecológicos, por exemplo, onde é lugar comum dizer que "nossos filhos e netos sofrerão as consequências", no mundo da web tudo é tão rápido que não poderemos sequer contar com a chance de passar a bola para as gerações seguintes: a maioria de nós ainda estará por aqui para ver o fim. Seja ele qual for.