De qualquer forma, já que teve que ir para a Espanha, Júlio faz do limão uma limonada e aproveita os quatro anos seguintes nas ensolaradas planícies desse país para aprender inúmeras coisas, treinar uma magnífica força montada, com os inigualáveis cavalos locais, para servir de apoio a sua nova legião, a Décima - sucessora da lendária Primogênita de seu tio Mário - e, como é um sujeito prático, também para amealhar uma considerável fortuna mediante a exploração das minas de ouro ibéricas. Tal riqueza, a rigor, pertence à República, mas vem a servir para tornar possíveis diversos projetos de César que, ao fim de tudo, visam o bem de Roma... De certa maneira. Ao seu lado estão todos os seus companheiros fiéis: seu primo adolescente, Otaviano; Brutus, o amigo de infância; Rênio, o mestre da espada; Cabera, o curandeiro; e Domício, um centurião da Décima. Mais importante que tudo, César mostra-se um governante consciente e visionário, que já sonha com o dia em que os povos conquistados cooperarão com Roma não por medo, mas por convicção.
Inesperadamente, Servília, a mãe de Brutus, aparece do nada, com algumas de suas "meninas" e o projeto de abrir em Valência uma filial de seu luxuoso lupanar em Roma, aproveitando o fato de que seu filho é um dos principais oficiais da legião local, o que garantirá que o estabelecimento possa operar em segurança (ela não é nada tola). O que não estava em seus planos era acabar envolvendo-se com Júlio, que, tendo ficado viúvo muito jovem e vivendo há anos numa espécie de celibato, acaba não resistindo aos encantos dela, apesar de ter a idade de seu filho - é bom lembrar que o autor tomou certas liberdades, como detalhei em minha resenha do primeiro volume, Os Portões de Roma: César e Servília realmente foram amantes, mas provavelmente sob condições bem diferentes.
Sabendo que, se ficasse na Espanha até o fim dos cinco anos designados, Pompeu simplesmente acharia outro fim de mundo para onde mandá-lo, César, numa das decisões ousadas que eram típicas dele, decide retornar a Roma um ano antes do previsto, mesmo arriscando uma severa punição. E ao retornar, com seus amigos, sua legião e a riqueza que juntou, candidata-se ao cargo de cônsul. Enquanto prepara sua campanha, acontece a tentativa de golpe de Estado capitaneada pelo senador Lúcio Sérgio Catilina (a célebre "Conjuração de Catilina"), que César ajuda a frustrar, utilizando a Décima e seus novos cavaleiros, que, após o longo treinamento na Espanha, mostram-se uma perfeita máquina de guerra - a descrição da batalha é magistral!
Eventualmente, César se elege cônsul, junto com um senador de nome Bíbilo, um perfeito banana, que só se candidatou por insistência de seu amigo, o antigo vizinho e desafeto de César, Suetônio (nada a ver com o famoso historiador: Iggulden apenas precisava de um nome romano para esse personagem fictício e, aparentemente, usou o primeiro que lhe ocorreu). Depois de garantir que Bíbilo não será um problema, César firma um acordo com Pompeu e Crasso, que, tendo deixado o cargo de cônsules, retornam a suas cadeiras no Senado: está fundado o Primeiro Triunvirato. Deixando seus dois aliados para cuidar da cidade, Júlio, já empossado como cônsul, parte para a Gália à frente de um exército, para sujeitar esse vasto e rico país bárbaro ao domínio romano.
E a narração da campanha gaulesa é uma das melhores coisas de toda a série. César sempre confiou na disciplina e na superioridade tática de suas legiões, que costumavam ser determinantes ao enfrentar inimigos geralmente pouco organizados, mas agora está diante dos gauleses, que, além de muito corajosos e fortes, não são totalmente ignorantes da arte da guerra, combatendo com um certo planejamento e, de acordo com Iggulden, adotando uma formação de combate semelhante à falange grega (que, se não tinha a mesma agilidade e capacidade de manobra da legião romana, ainda assim estava longe de ser um adversário desprezível), sem falar na enorme superioridade numérica. César explora com inteligência as rivalidades que separam as diferentes tribos gaulesas, conquistando a colaboração de algumas e enfrentando outras em batalha - e o maior empecilho que encontra pela frente é um certo Cingeto, filho do rei da tribo dos arvernos, que aparece no livro ainda como um jovem de cabeça quente que não vê com bons olhos a presença romana em seu país, e, mesmo não sendo o filho mais velho, acaba sucedendo ao pai, quando então tem seu nome mudado para Vercingetórix (o sufixo -rix acrescentado ao nome significa rei; não há como não notar que é quase igual ao latim rex, o que é apenas um entre os inúmeros indícios que apontam a provável origem comum de latinos e celtas). O gênio impetuoso não impede Cingeto de ser astuto o bastante para compreender que as divisões entre seu povo favorecem os conquistadores, e trabalha para unir as tribos contra o inimigo comum.
É em Campo de Espadas que o fiel Brutus, amigo mais antigo de Júlio, começa a questionar a própria lealdade ao ver a megalomania que parece ter-se apossado de seu chefe: Júlio parece obcecado por colocar seu nome na História ao lado do de Alexandre, levando suas legiões a terras cujos habitantes nunca ouviram falar de Roma (e a verdade é que, como conquistador, César superaria Alexandre, pois este, embora tenha conquistado uma extensão maior de terras, não foi capaz de impor aos povos dominados a marca de sua cultura: seu vasto império se desfez em poucas décadas após sua morte. Já César conquistou países que pertenceriam ao Império Romano durante séculos e mostram até hoje a influência romana em suas línguas, cultura e sociedade). Porém, para Brutus, que o conhece desde que eram meninos, o que parece é que César pensa apenas em engrandecer o próprio nome, forjar a própria lenda. Ao mesmo tempo, a amizade que parecia inabalável é sacudida por mágoas pessoais, principalmente o fato de Brutus nunca ter aceitado de fato a relação amorosa entre seu amigo e sua mãe, e a confiança que César passa a depositar em Marco Antônio, a quem conhece na Gália, o que leva Brutus a sentir-se posto de lado.
A fim de não alongar demais uma história já tão grande, o autor optou por não narrar a primeira e fracassada expedição de César à Bretanha - há um corte e ele já aparece dando início à segunda, a que seria bem-sucedida. Apenas as recordações de Júlio revelam alguns dos detalhes da primeira tentativa: esperando encontrar pouca resistência, ele invadiu a grande ilha sem levar sua cavalaria, que seria muito difícil de transportar. O mau tempo fez sua parte, tornando o desembarque dramático, e a isso vieram somar-se os ataques dos guerreiros bretões, usando uma arma que, embora já fosse considerada ultrapassada na época, provou ainda ser capaz de fazer sérios estragos: carruagens de guerra. A bordo delas, os nativos alvejavam os legionários com flechas e dardos e depois fugiam antes que eles pudessem chegar perto o suficiente para revidar, o que acabou por minar-lhes completamente o moral e forçou César a ordenar a retirada depois de apenas 16 dias. No ano seguinte, aproveitando as lições aprendidas, retornou e submeteu os bretões. Mesmo assim, essa invasão é um claro exemplo de uma campanha com fins "publicitários", já que demonstrou-se impossível para Roma, naquele momento, manter uma verdadeira estrutura de ocupação na Bretanha, e César sem dúvida sabia que assim seria. No fundo, o real objetivo dessas duas expedições era punir os bretões por haverem apoiado os gauleses contra Roma, além de impressionar estes últimos e desencorajá-los de resistir ao domínio romano, e também colher para o próprio César uma glória pessoal que mais tarde o favorecesse em suas ambições políticas. Mais uma coisa a pesar nos desgostos de Brutus para com seu amigo e comandante. Para constar, registro que a Bretanha só seria verdadeiramente conquistada sob o imperador Cláudio, cerca de um século depois.
É no retorno da Bretanha que César enfrenta a já citada rebelião de Vercingetórix, que chega a colher uma importante vitória na cidade de Gergóvia, que resiste ao ataque dos romanos, mas acaba derrotado na decisiva batalha de Alésia, apesar de ter conseguido pôr em campo tantos guerreiros de diferentes tribos, que se calculou que os romanos sob o comando de César estavam inferiorizados à razão de cinco para um, o que não impediu que vencessem mesmo assim (tudo isso é histórico). Esse golpe definitivo, que põe a Gália de joelhos de uma vez por todas e a converte de fato numa província romana, torna César tão grande que, a partir daí, a guerra civil passa a ser inevitável, pois Pompeu, agora ditador, vê nele uma força capaz de se equiparar à sua.
Campo de Espadas é uma continuação mais do que digna para a série O Imperador, uma teia fascinante de intriga, poder, superação, coragem, lealdade e traição. Mesmo com as adaptações feitas em prol do objetivo literário, ainda dá ao leitor uma compreensão muito precisa de como foi a edificação do Império Romano, uma das civilizações mais impressionantes e sem dúvida a mais influente de toda a História no mundo ocidental. E cria uma grande expectativa sobre Os Deuses da Guerra, parte final da série.
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